Fases do Desenvolvimento Religioso

Psicologia

Pe. José Carlos dos Santos

Por desenvolvimento entendemos o processo de mudanças que acontecem ao longo do ciclo vital. Há autores que se dedicaram ao estudo do desenvolvimento da personalidade, de modo global, enfatizando as múltiplas variáveis que concorrem para se atingir ou não a maturidade humana. Outros autores se interessaram pelo estudo do desenvolvimento de aspectos específicos da personalidade, como o desenvolvimento cognitivo ou o sexual. O desenvolvimento religioso também tem sido objeto de estudo da psicologia. A religiosidade é uma realidade psíquica complexa, presente em praticamente todas as culturas, e que exerce representativa influência sobre o indivíduo e sobre a organização social. Na obra “Psicologia della Religione” Milanesi e Aletti apresentam uma visão global do desenvolvimento religioso, com princípios que certamente são úteis às pessoas que se interessam por este tema.

1) A religiosidade na Infância

a) Antropomorfismo

Este importante componente psicológico pode ser definido como a tendência a representar-se Deus segundo os esquemas deduzidos do comportamento humano. Subdivide-se em antropomorfismo afetivo, que é “a tendência a projetar na relação com Deus o conjunto das atitudes conscientes e freqüentemente inconscientes, estruturadas a partir das relações familiares da primeira infância” (MILANESI; ALETTI, 1973, p. 137) e antropomorfismo imaginativo, que é a tendência a uma representação de Deus segundo uma imagem substanciada de traços e formas humanos.

Partindo das manifestações religiosas iniciais, por volta dos três anos, há um processo que vai de um antropomorfismo material, no qual Deus é representado com vestes brancas, barba longa e branca, a um antropomorfismo mitigado, no qual Deus não é mais um homem como os demais, até se chegar à espiritualização, na qual se percebe que Deus é um Espírito, que não pode ser descrito materialmente.

A superação do antropomorfismo acontece na pré-adolescência. Barbey afirma, porém, que é impossível também para o adulto falar de Deus em termos não derivados da experiência humana. Trata-se sobretudo de ver qual forma de antropomorfismo é proporcional às diversas etapas do desenvolvimento.

b) Animismo

Caracteriza-se pela tendência a atribuir intenções benéficas ou maléficas ao universo inanimado, aos acontecimentos do mundo externo. Há o animismo punitivo, manifesto no que Piaget chama de justiça imanente, que se caracteriza pela “crença segundo a qual a violação das normas sociais é seguida de castigos ou azares queridos por Deus ou por objetos MILANESI, Giancarlo; ALETTI, Mario. Psicologia della Religione. Torino-Leumann: LDC, 1973. 1 1 inanimados” (HOFFMAN 1970, p. 265). A justiça imanente diminui em função da idade, enquanto cresce a tendência à interpretação de uma justiça imanente por castigo divino. O animismo punitivo em estado puro é uma característica somente da primeira infância, enquanto em alguns casos de fragilização psíquica, ou em decorrência de fatores culturais, tende a conservar-se. Há também o animismo protetor, presente na percepção de defesa, de proteção daquilo que atemoriza a criança.

c) Magismo

Esta importante característica da religiosidade infantil se pode ver presente na tendência a apoderar-se de forças ocultas e superiores em benefício próprio, mediante o emprego de sinais e ritos, sem ulterior empenho pessoal.

Aubin (MILANESI; ALETTI, 1973, p. 145) apresenta o magismo como a convicção de poder dominar automaticamente as forças das quais o homem deseja tornar-se senhor, sem invocar nenhuma divindade e sem apresentar nenhum ato de reverência ou de submissão. Na experiência da criança se verificam momentos de intensa participação na vida religiosa, nos quais parece possível evidenciar uma componente mágica. A confissão, por exemplo, aos oito anos é vista na linha de uma causalidade automática entre o sinal material e o seu efeito espiritual. Por volta dos onze anos acontece uma ligeira diminuição das interpretações mágicas, mas ainda aos catorze anos se verificam traços do magismo, entendidos como relação de causalidade entre o sacramento recebido e efeitos prodigiosos de ordem material.

Deve-se deixar claro que antropomorfismo, animismo e magismo são dimensões normais da religiosidade infantil. Dizer que o comportamento da criança é mágico equivale a dizer que a criança não tem ainda as convicções e atitudes religiosas do adulto do seu grupo cultural.

 

2) A Religiosidade na Adolescência

Esta etapa é conhecida como da crise religiosa. Nela o equilíbrio da idade precedente deixa lugar a uma religiosidade que parece tornar-se sempre mais problemática. De modo concreto, por volta dos catorze anos acontece de se assistir à progressiva diminuição da prática religiosa, à crescente desconfiança para com a religião institucional, à problematização das crenças, expressos na dúvida diante das verdades defendidas pelas instituições.

Estes fatos devem ser entendidos à luz daquilo que é específico da adolescência, chamada “novo nascimento”, um período de tempestade emotiva, sob o impulso das energias da puberdade. Neste período acontecem também profundas transformações no pensamento religioso, ocasionadas pelo desenvolvimento cognitivo e a correlativa descoberta das possibilidades da razão, a ampliação do conhecimento e a descoberta do pluralismo cultural e ideológico típico da nossa época. Os efeitos principais são (MILANESI; ALETTI, 1973, p. 181):

1. Subjetivismo: o adolescente tende a construir-se a própria religião, tendo por base as motivações pessoais, adquiridas do confronto e da recusa da religiosidade infantil.

2. Conflito entre a pretensão totalizante do pensamento religioso e a pretensão totalizante do pensamento científico, racionalista e positivista.

3. Relativização: Sob a base do pluralismo cultural e do pragmatismo funcional, o adolescente pode começar a considerar a religião como uma dentre as possíveis soluções aos problemas da vida, não a única.

4. Consciência da des-funcionalidade da religiosidade infantil, em relação com os novos deveres da maturação e do crescimento da personalidade adolescencial.

Quanto ao êxito desta revisão da religiosidade, pode-se dizer que é incerto. Em sentido positivo acontecerá a recuperação progressiva da religiosidade, sustentada por circunstâncias ambientais favoráveis, como a família, o grupo, a escola, a comunidade eclesial. A religião, neste caso, se tornará um fator de integração da personalidade no seu processo de maturação.

Na adolescência os aspectos emotivos e afetivos ocupam um papel de grande importância. A religiosidade poderá tornar-se um canal expressivo desta afetividade, com o perigo de sobreviver somente sobre bases afetivas e emotivas. Outra possibilidade é que seja um fator de estabilização emotiva, apresentando uma visão da realidade e oferecendo um sentido à vida, no qual se encontrará maior segurança e estabilidade.

Outra alternativa é que a religiosidade se torne um fator de instabilidade emotiva. Pode acontecer que o adolescente viva a religião como um fator que acentua o stress emotivo, em virtude de descobertas e experiências típicas da adolescência. Mais frequentemente isto acontece em relação com o sentimento de culpa, quando há regras moralistas e pseudo-religiosas.

Outro fenômeno presente e difuso na adolescência é a dúvida. Atualmente se considera a dúvida religiosa da adolescência como a ruptura da integração da conduta religiosa, que implica níveis cognitivos, motivacionais, avaliativos e operacionais. Como conteúdo, a dúvida tende a concentrar-se sobretudo em questões de eclesiologia e escatologia. Os motivos estão principalmente ligados à polêmica anti-institucional, e os fatores que a despertam estão relacionados com os companheiros, as leituras, o cinema, a presença de pessoas não-religiosas, os limites do ensinamento religioso e o conteúdo crítico de algumas disciplinas, como história e filosofia.

Como resultado, poderá acontecer uma dúvida positiva, quando acontece como expressão de uma pessoa que procura uma verdade maior, e por isto de natureza heurística, e impulsiona a ulteriores maturações. A dúvida negativa é o sintoma de uma personalidade em crise, e se dá nas pessoas que têm um passado religioso no qual as etapas de desenvolvimento não foram vividas de modo positivo. A solução deste tipo de dúvida levará à indiferença, agnosticismo ou ao ateísmo.

 

3) A Religiosidade na Juventude

A passagem a esta idade levará a uma incipiente estabilização da personalidade, acontecendo a definitiva inserção na sociedade. De modo geral, vê-se um grupo minoritário de ateus, uma maioria de indiferentes, que compreende provavelmente mais da metade dos jovens, uma minoria de crentes oficiais, e uma minoria crítico-profética.

Na juventude, os valores religiosos podem ser assumidos de modos variados na estrutura da personalidade. Pode acontecer a integração, quando as condutas religiosas tendem a tornar-se o valor predominante, absoluto e supremo na estrutura global da personalidade. Neste caso os valores religiosos se tornam o filtro habitual por meio do qual se avalia a experiência em modo definitivo, sem por isto excluir nada da autenticidade e autonomia das experiências singulares.

Pode acontecer que a religiosidade termine por ocupar um espaço marginal, periférico (MILANESI; ALETTI, 1973, p. 211). Neste caso a religião constituirá uma motivação parcial para as condutas, não sendo capaz de oferecer um significado global à existência, e outros valores serão chamados a desenvolver a função de primazia na personalidade.

Uma terceira possibilidade é a situação de exclusão total, quando os valores religiosos são radicalmente emarginados do projeto de vida, com a procura de motivações seculares para toda a área do comportamento. É a situação de irreligiosidade ou ateísmo integral.

Fatores importantes, que exercem significativa influência sobre o jovem, são a secularização e os valores veiculados pela cultura em geral. Há conflitos que por vezes se radicam entre religiosidade individual e institucional, com a institucionalização das formas de culto, da organização eclesial, em confronto com uma sociedade assinalada pela subjetividade e pela consciência dos métodos democráticos de participação.

Deve-se assinalar, porém, que se neste período se fala de estabilização da personalidade, esta tarefa, em certo sentido, permanece sempre aberta. A sociedade atual, com o seu constante movimento, poderá oferecer à pessoa outras possibilidades que o impulsionem a rever as suas verdades, e a buscar outras mais adaptadas. Haverá um longo caminho até à ancianidade, durante o qual múltiplos fatores poderão provocar significativas alterações na personalidade.

 

Conclusão

O desenvolvimento religioso, como descrito acima, acontece em direta interação com o desenvolvimento do indivíduo, com o processo de construção de sua personalidade. A psique infantil é estruturalmente distinta da organização mental do adolescente, e do adulto. Haverá então, certamente, uma religiosidade infantil, adolescente e adulta. Como acontece com as demais áreas do desenvolvimento, a evolução cronológica não significa a superação de modalidades infantis de organização mental. A leitura do presente texto nos permite perceber que muito do que os autores apresentam como específico da infância continua presente em formas de viver a religiosidade em pessoas adultas. Do ponto de vista do funcionamento mental, portanto, passado, presente e futuro não são apenas etapas que se sucedem, mas comumente coexistem.

 

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