Psicanálise e Desenvolvimento Moral

Psicologia

Pe. José Carlos dos Santos

Utilizando uma linguagem figurada, a compreensão antropológica subjacente à psicanálise pode ser entendida a partir da expressão “pecado original” (Hoffman 1970, p. 261). A criança, em lugar de ser vista como um anjinho, é “originariamente portadora de impulsos e instintos perigosos, destrutivos, antissociais” (Dos Santos 2013, 46). Enquanto alguns pensadores entendem o homem como bom por natureza, com o risco de ser corrompido pela sociedade, para a psicanálise ocorre o contrário. É a sociedade, e a educação que aí acontece, que irá oferecer à criança a organização interna que lhe tornará capaz de obter controle sobre os componentes inatos que são moralmente perigosos.

Embora a perspectiva psicanalítica não tenha a compreensão do desenvolvimento moral organizada num todo coerente, sistematizado (Hoffman 1970, p. 282), e haja variações em diferentes autores, é possível sintetizar alguns dos elementos centrais. Como ponto de partida, a abordagem psicanalítica considera os aspectos emocionais e motivacionais da moralidade, diferentemente da abordagem elaborada por Piaget e Kohlberg, que enfatiza sobretudo os aspectos cognitivos, a capacidade de julgar (Hoffman 1970, p. 282).  A personalidade, para a psicanálise, tem como componentes principais as emoções, conscientes e sobretudo inconscientes. Ao estudar a abordagem psicanalítica trabalhamos com conceitos como Id, pulsões, ansiedade, culpa, raiva, desejo, amor…todos situados na esfera dos sentimentos e das emoções. A moralidade, portanto, para a psicanálise, se constrói a partir deste componente emotivo da personalidade.

A psicanálise busca, no estudo do desenvolvimento moral, responder à seguinte pergunta (Hoffman 1970, p. 282): “por que a criança, que é dominada pelo prazer e amoral, desenvolve normas morais com as quais se sente internamente comprometida”? A criança, segundo a psicanálise, está inevitavelmente sujeita a muitas frustrações, muitas delas provocadas pelos pais, como intervenção educativa. A criança não pode satisfazer todos os seus desejos, e não lhe é permitido viver a partir do princípio do prazer. A frustração frequentemente provoca hostilidade, que é direcionada para os pais.

O mundo interior da criança, nestas situações, é tomado por sentimentos intensos e antagônicos: há simultaneamente amor e hostilidade para com os pais. E então entra em cena outra emoção que ocupará um papel de grande importância na compreensão psicanalítica do desenvolvimento moral, que é a ansiedade. A hostilidade para com os pais desperta a ansiedade diante da possibilidade de ser punida, especialmente pela perda do amor e pelo medo de ser  abandonada. Punição, perder o amor dos pais, e ser por eles abandonada fazem com que a criança reprima a hostilidade, e “adote de modo relativamente inalteradas as regras e proibições emanadas pelos pais” (Hoffman 1970, p. 282).

Outro componente da moralidade é a autopunição.  Em fases anteriores, normalmente a criança era de alguma forma punida por violar alguma regra de conduta. O desenvolvimento de instancias psíquicas reguladoras da moralidade fazem com que a criança tenha a capacidade de punir a si mesma ao violar ou sentir-se tentada a violar alguma proibição (Hoffman 1970, p. 282). Esta autopunição é experimentada como sentimento de culpa, que pode ser mais ou menos maduro, mais ou menos intenso. Para evitar a autopunição, então, a criança se esforçará por agir em acordo com as proibições parentais, e desenvolverá mecanismos de defesa contra a percepção dos impulsos para agir em contrário.

Quando à abordagem psicanalítica, então, algumas premissas básicas e geralmente aceitas são as seguintes (Hoffman 1970, p. 282): “em algum momento, na infância inicial, o indivíduo começa a controlar o próprio comportamento aceitando as orientações dos pais, e no transcorrer deste processo, códigos de conduta tais como normas e valores morais, que anteriormente eram externos, tornam-se parte do próprio sistema de regras morais da criança”.  

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