Não são incomuns as notícias que se referem a fragilidades psíquicas de ministros ordenados. Na maioria das vezes as notícias se referem a padres, ainda jovens. Tais notícias causam impacto relativamente grande, tanto sobre os membros da Igreja católica, quanto sobre a população em geral. Acredito que todos os que somos presbíteros tivemos a experiência de ser confrontados com perguntas relativas a estas situações. Nem sempre conseguimos entender o que acontece e, por isso, nem sempre temos respostas adequadas.
O que dizer sobre estes fatos? Uma pesquisa prolongada e detalhada foi realizada por Pe Luigi Rulla, psiquiatra e psicólogo italiano, idealizador do Instituto de Psicologia da Pontifícia Universidade Gregoriana, de Roma. Pe. Luigi tinha por objetivo saber se a formação oferecida nos seminários fazia com que os padres se tornassem psicologicamente mais saudáveis e amadurecidos que as demais pessoas. Nesta pesquisa o referido padre, durante vários anos, desenvolveu um estudo comparativo de jovens seminaristas, diocesanos e religiosos, com outros jovens não seminaristas, de idade semelhante, em diferentes países. De acordo com os resultados da pesquisa, a formação que é oferecida nos seminários, sejam eles diocesanos ou religiosos, não faz com que os seus membros sejam psicologicamente mais saudáveis que as demais pessoas. Em outras palavras, o seminário não consegue “resolver”ou “curar” nem as fragilidades psíquicas e muito menos os transtornos mentais propriamente ditos, que são refratários até mesmo aos longos anos de permanência e às múltiplas atividades formativas que são desenvolvidas nos seminários, em todo o mundo.
Há outras pesquisas que confirmam o resultado do estudo realizado por Pe. Luigi e colaboradores. Uma pesquisa realizada nos Estados Unidos, nos anos 70, concluiu que 10-15% dos padres eram psicologicamente saudáveis, 60-70% eram emocionalmente imaturos, e 20-25% apresentavam sérias dificuldades psiquiátricas. Estes dados, embora alarmantes a um primeiro olhar, simplesmente afirmam que do ponto de vista da saúde mental, há grande semelhança entre os ministros ordenados e a população em geral. Pesquisas realizadas com a população “leiga”, em diversos países, chegam a resultados fundamentalmente similares.
Estes dados permitem afirmar que a fragilidade psíquica dos padres é um reflexo da fragilidade psíquica de nossa população. O jovem que ingressa no seminário é oriundo da sociedade, e traz consigo as marcas de sua história de vida, de seu processo de desenvolvimento psíquico. Segundo os estudiosos, a formação no seminário, por mais eficiente que seja, não conseguirá atingir as fragilidades psíquicas que estejam situadas no nível do inconsciente. O que é inconsciente precisará de um método específico, técnico e profissional de abordagem, que escapa ao horizonte de abrangência do método ordinário de formação para a vida presbiteral e religiosa.
Diante destes fatos, a atenção da Igreja deve estar voltada primeiramente para o cuidadoso acompanhamento dos candidatos ao sacerdócio. O acompanhamento deverá ter atenção e acuidade para identificar os quadros de imaturidade psíquica, e oferecer os meios adequados para se atingir a maturidade, quando possível. Atualmente, em quase todos os seminários há a presença de psicólogos a serviço dos seminários e dos seminaristas, nas diferentes etapas do processo formativo.
A situação se torna mais complexa, contudo, pelo fato de que alguns transtornos mentais se manifestam apenas numa fase posterior, por vezes somente depois de passados vários anos da conclusão da formação inicial, e no exercício do ministério sacerdotal. Como acontece com a população em geral, alguns transtornos mentais se manifestam por consequência das exigências da vida, pelo peso e cansaço da caminhada.
Tirado do meio dos homens para o serviço dos homens, o ministro ordenado conserva em tudo a sua humanidade, incluindo fragilidades psíquicas por vezes de grande gravidade. Esta constatação exige particular atenção da Igreja e do próprio presbítero, para que o ministro ordenado seja sempre “ponte e não obstáculo para os outros no encontro com Jesus Cristo, Redentor do homem”.
Padre José Carlos dos Santos