Pe. José Carlos dos Santos
Um atributo da personalidade é a unicidade. Cada pessoa, ao se desenvolver, torna-se um ser com atributos únicos, irrepetíveis. Este é um dado surpreendente. Há bilhões de pessoas, e todas são diferentes em sua organização mental, em suas qualidades, em seu jeito de ser. Esta peculiaridade do humano causou inquietação e provocou a curiosidade de estudiosos desde tempos muito remotos, sendo objeto de estudo em tempos que em muito precedem o nascimento da psicologia científica.
A esta específica singularidade ou peculiaridade na organização da personalidade atribuímos a expressão estilo de personalidade. Por estilo, neste contexto, entendemos “uma forma ou modo de funcionamento que é identificável, em um dado indivíduo, através de uma gama de atos (ou comportamentos) específicos” (Shapiro 1965, pág. 1). Percebe-se o estilo de cada pessoa a partir de suas ações. A pessoa se revela enquanto interage, na alteridade. A configuração de diferentes estilos de personalidade é resultante do desenvolvimento de diferentes modos de pensar e perceber, de experimentar emoções e de expressá-las, dos diferentes modos de experiência subjetiva em geral.
Nem sempre é fácil identificar um modo ou estilo de funcionamento, de personalidade (Shapiro 1965, pág. 2). Somos inclinados usualmente a dirigir nossa atenção para o que a pessoa está fazendo, para o conteúdo de sua comunicação. Este tipo de observação é limitado. A percepção do estilo de personalidade requer dirigir a atenção para o modo, para a maneira, para o “como” a pessoa funciona, e a isto não estamos habituados. Requer um tipo de atenção diferente, “mais passivo” em alguns aspectos. Deve-se ser capaz de superar a mera observação do que a pessoa faz, para colher o seu modo de ser, de fazer, de agir. Quem consegue se perceber – e perceber o outro – nesta perspectiva, passa a experimentar o humano numa perspectiva significativamente nova, descortinando-se um novo horizonte de experiência da personalidade, de conhecimento do humano.
Muitos são os estudiosos que se dedicaram à identificação do que aqui denominamos estilos de personalidade. A título de exemplo, Freud organizou o processo de desenvolvimento humano em 05 diferentes estágios, a saber, oral, anal, fálico, latência e genital. A partir de cada etapa se configuram traços patológicos e traços de caráter ou estilos de personalidade (Kaplan & Sadock 2007, pág. 229-231). Jung publicou uma obra de grande relevância, em que descreve os diferentes “Tipos Psicológicos”, tomando como referência as atitudes e funções psíquicas. Na identificação dos estilos de personalidade, o trabalho desenvolvido por Jung continua muito atual. Naturalmente, vários outros autores deixaram alguma contribuição quanto à identificação de estilos de personalidade, a partir de seu referencial teórico, do seu tipo de abordagem da organização e funcionamento mental.
É importante salientar que entre uma personalidade normal e aquela marcada por algum tipo de transtorno, a diferença não está tanto na característica. Os traços ou características são semelhantes. A diferença principal é que, no transtorno, desenvolve-se um padrão de funcionamento que provoca sofrimento para o indivíduo, além de causar diferentes níveis de dificuldade no trabalho e no relacionamento interpessoal, sobretudo. A título de exemplo, uma pessoa psicologicamente saudável pode ter como característica de sua personalidade a timidez. Sendo em nível de normalidade, esta timidez não impedirá a pessoa de ter um satisfatório bem-estar, e atingir os seus objetivos. Contudo, a timidez pode tornar-se muito intensa, e neste caso disfuncional para o funcionamento psíquico. A distinção entre a normalidade e o transtorno, neste caso, estará mais no aspecto quantitativo que no qualitativo. A partir do exemplo acima, a normalidade ou anormalidade não reside no fato de estar ou não presente a timidez, mas na “quantidade” de timidez. O mesmo raciocínio se aplica à dependência, desconfiança, ao perfeccionismo, etc.
Apresentarei, a seguir, uma descrição de alguns estilos de personalidade. Não é o único elenco possível, e pode ser que haja elencos melhores. Este, contudo, tem se apresentado muito útil para o autoconhecimento, e para o conhecimento e compreensão do outro. São aqui empregados os mesmos traços ou características dos transtornos de personalidade. Como afirmamos acima, são considerados estilos porque os traços ou características não têm a intensidade necessária para causar sofrimento para o indivíduo, e para impedi-lo de inserir-se positivamente na sociedade, com tudo o que esta inserção requer. São estilos porque a pessoa permanece no nível da normalidade.
Estilo dependente. Caracteriza-se por um padrão difuso de comportamento submisso e dependente, expresso na fragilização da capacidade de tomar decisões sozinho, na dificuldade ou incapacidade de dizer não, na dificuldade de viver só e iniciar projetos ou atividades por conta própria; acredita que necessita das pessoas para sobreviver. Sua estratégia é cultivar relacionamentos de dependência.
Estilo evitativo. Caracteriza-se pela evitação comportamental, emocional e cognitiva generalizada, alimentada por convicções autodepreciativas, de expectativa de rejeição interpessoal. A timidez é a característica marcante. Sente-se objeto de observação e crítica nas situações sociais, sendo constantemente ameaçado pelo temor de ser rejeitado ou humilhado. Usa como estratégia evitar situações em que possa ser avaliado.
Estilo Passivo-agressivo. Caracteriza-se pela resistência a exigências externas, tipicamente manifestada por comportamentos oposicionais e obstrutivos, que incluem procrastinação, trabalho de má qualidade, “esquecimento” de obrigações, dentre outros. Demonstra mal-humor quando convidado a fazer algo que não deseja. Acredita que os outros interferem em sua liberdade de ação. Sua principal estratégia é a resistência passiva, e submissão apenas aparente.
Estilo Paranóide. Caracteriza-se por um comportamento de constante desconfiança e vigilância, com tendência persistente e irrealista a interpretar intenções e ações dos outros como humilhantes ou ameaçadoras. Quando se percebe ameaçado, defende-se atacando, atribuindo a culpa aos outros, e vendo a si mesmo como sendo perseguido, maltratado, abusado, explorado. Sua principal estratégia é a cautela, procurar intenções ocultas, acusar e contra-atacar.
Estilo Narcisista. Caracteriza-se por um comportamento resultante de uma autoestima excessivamente elevada e irrealista, por falta de empatia e hipersensibilidade à avaliação. Exige constante atenção e admiração, e reage às críticas com raiva, vergonha e admiração, embora nem sempre as manifeste abertamente. Acredita ser especial e, por isso, entende que merece regras especiais. Sua principal estratégia é o desrespeito às regras, manipulação, competição e passar por cima do que é convencional.
Estilo histriônico. Caracteriza-se por um comportamento difuso de excessiva e inadequada emotividade, pela busca incessante de atenção, usando como estratégia o exibicionismo físico e sensual. A expressão de suas emoções é exagerada e superficial, reforçada por comportamentos dramáticos e teatralidade. Busca constantemente a atenção, o aplauso e a admiração. Sua principal estratégia é servir-se de um fascínio teatral, caprichos e crises de choro.
Estilo obsessivo-compulsivo. Caracteriza-se por um comportamento difuso de perfeccionismo e inflexibilidade, demasiada atenção aos detalhes, autodisciplina e controle emocional, e obstinação. É particularmente atento às regras, à organização, e ao planejamento das atividades. Emocionalmente se mostra frio, tendendo a reprimir a expressão das emoções. Prefere o trabalho ao lazer, tendo dificuldade com os dias livres e as férias. Embora nem sempre transpareça, é indeciso. É responsável, escrupuloso, apegado a objetos. Acredita ser mais responsável que as demais pessoas, tendo dificuldade para delegar tarefas. Sua principal estratégia é aplicar regras, ser perfeccionista, avaliar, controlar, exigir, punir.
Repetindo afirmação anterior, a diferença entre estilo de personalidade – que está no nível da normalidade – e transtorno de personalidade, não está no tipo de característica, mas em sua intensidade, sobretudo. A natureza das características irá fazer com que a personalidade tenha um funcionamento normal, ou, em situação contrária, a pessoa irá experimentar e possivelmente provocar sofrimento psíquico para o indivíduo, além de causar diferentes níveis de limitação no desempenho no trabalho, nas relações interpessoais, na consecução dos seus objetivos.
A lista de estilos anteriormente apresentada não é definida ou fixa. David Shapiro, autor do livro “Neurotic Styles”, apresenta apenas quatro estilos considerado mais representativos, a saber, obsessivo-compulsivo, paranóide, histérico e impulsivo (Shapiro 1965). Há elencos que incluem alguns outros, como o esquizóide e o ciclotímico. Qualquer que seja a opção, o estudo dos estilos nos permite, sem grandes dificuldades, identificar características que são predominantes na própria personalidade, e em pessoas com as quais convivemos.
Normalmente, em cada pessoa é possível identificar o estilo que predomina, embora haja concomitantemente características mais ou menos acentuadas de outros estilos. A título de exemplo, em determinada pessoa poderá predominar o estilo obsessivo-compulsivo, com traços do estilo paranóide. Em outra pessoa, diferentemente, os traços secundários poderão ser do estilo dependente, configurando personalidades com semelhanças e diferenças significativas. Traços secundários, de mais de um estilo, em quantidades variadas, poderão estar presentes numa mesma personalidade.
Uma pergunta que normalmente se faz é se há algum estilo de personalidade mais saudável, e estilos menos saudáveis. A resposta correta é que todos os estilos têm características a serem trabalhadas. Não há estilo perfeito. O componente definidor da capacidade de adaptação, da realização pessoal e da produtividade do indivíduo no trabalho parece-me estar situado na qualidade da estrutura da personalidade, mais que no estilo de personalidade. A estrutura psíquica é considerada como a responsável pelo nível de resistência do indivíduo às exigências que recaem sobre ele em variados contextos e situações. É o que lhe permite manter a estabilidade e o equilíbrio, fatores indispensáveis à organização da vida.
Sendo corretas as observações anteriores, há estilos que, a meu ver, merecem especial atenção. Em variados contextos, os traços definidores dos estilos paranóide, narcisista e dependente podem causar dificuldades acentuadas para o próprio indivíduo e para aqueles que com eles convivem. Ao meu ver, deverão ser objeto de verificação especialmente quanto à capacidade de estabelecer relações interpessoais, ao equilíbrio emocional, e ao nível de insignt ou autoconhecimento.
Os estilos, como se pode perceber, configuram diferentes modos de organização da vida. Os estilos irão cooperar para o estabelecimento de pessoas muito diferentes, com gostos muito variados. Uma pessoa com acentuados traços histriônicos será naturalmente muito diferente de alguém em quem predominem traços evitativos. O modus vivendi será muito diferente. Serão pessoas que terão a compreensão mútua e a convivência como um grande desafio. Um parecerá estranho ao outro. Em alguns aspectos, paradoxalmente, poderá estar presente recíproca admiração aspectos ou traços de personalidade.
A consideração dos estilos de personalidade permite constatar, em mais este aspecto, a riqueza e complexidade do humano. Somos os mesmos, mas ao mesmo tempo somos muito diferentes. Somos semelhantes a algumas pessoas, em razão do estilo, e nos sentimos muito diferentes de outras pessoas, que estranhamos e simultaneamente admiramos. Desenvolvemos com relativa facilidade algumas atividades, facilitadas pelo estilo que nos identifica, enquanto sentimos grande dificuldade em tarefas que outras pessoas desempenham com um êxito que invejamos e não conseguimos igualar. Tudo o que anteriormente dissemos confirma a necessidade de nos empenharmos na tarefa do autoconhecimento e na busca da maturação, tarefa que jamais alcançaremos pessoalmente, e que será facilitada se em algum momento nos abrirmos para o auxílio de profissionais ligados ao funcionamento mental.