Pe. José Carlos dos Santos
A palavra Moral não está entre as mais apreciadas na cultural atual. Difícil saber se foi diferente em algum momento, no passado. Ninguém gosta de ser chamado de moralista. Seria alguém cujo comportamento se opõe ao que é agradável, contrário ao prazer. Em geral, a atitude moralista é entendida como consequência do recalque. O moralista, segundo alguns, condena as atitudes e tendências que fazem parte de sua personalidade, o que ele mesmo faz ou gostaria de fazer, mas por bloqueios psicológicos não se permite realizar. Utilizando a linguagem psicanalítica, a moral – ou grande parte dela – seria explicada pelo mecanismo de defesa que se chama formação reativa. Há pulsões e desejos que fazem parte da natureza humana, e que são negados, porque avaliados negativamente. O indivíduo e a sociedade, para se protegerem, então, condenam tais componentes da psique, afirmando como virtuosas tendências diametralmente opostas. Esta compreensão de moral seria correta?
Em seu significado originário, contudo, moral se refere aos princípios do que é bom e justo (Dos Santos 2013, p. 20). Os vocábulos ética e moral provêm originalmente das palavras utilizadas no grego e no latim para costume (Kohlberg, Umpublished Manuscript, p. 9). Encantado com a ordem e harmonia no cosmos, o homem passou a questionar o comportamento humano, buscando princípios que coloquem ordem nos costumes, nas relações, na vida humana, com o objetivo de distinguir o que é bom e desejável para o indivíduo e para a sociedade. A historia da filosofia ensina que a cosmologia precede a antropologia e a ética. Não é por acaso. É menos desafiante para o homem conhecer o cosmos que entender a si mesmo, e encontrar princípios que possam colocar alguma harmonia no universo interior, e no mundo das relações interpessoais.
A psicologia também se interessou pelo desenvolvimento moral. Há correntes diferentes, com distintas compreensões antropológicas, e consequentes diferentes compreensões do complexo processo de desenvolvimento moral. Gustafson (1972, p. 11), neste contexto, cita uma passagem da obra Meno, de Platão, em que Sócrates é interrogado a respeito da virtude, se é adquirida pela educação (ou seja, pelo ensinamento teórico), pela prática, ou se ela simplesmente é um componente da natureza humana. Em sua resposta, Sócrates afirma que não é capaz nem mesmo de saber o que é virtude. Para Gustafson, duas questões importantes são: 1) O “como”: que método deve ser utilizado para o desenvolvimento moral e 2) a questão antecedente: quais virtudes devem ser objeto do processo de desenvolvimento moral.
Para Kohlberg (Umpublished Manuscript, p. 2-3), independente da diversidade das correntes, o desenvolvimento moral se ocupa do “processo pelo qual o indivíduo, nascido com amplas possibilidades comportamentais, é orientado a desenvolver comportamentos delimitados pelo que é costumeiramente aceitável de acordo com os padrões do seu grupo”. Deste modo, o desenvolvimento moral, independente da teoria, se ocupa do processo de “moralização do indivíduo pela sociedade” (Umpublished Manuscript, p. 12). Trata-se, então, de mudanças que ocorrem com o transcorrer do tempo.
Algumas correntes na psicologia entendem o desenvolvimento moral na ótica da mera conformidade com os padrões comportamentais predominantes numa dada cultura. Desenvolvimento moral é, então, uma forma de socialização, como tantas outras. Na medida em que o indivíduo se desenvolve, a conformidade, ou seja, a adesão aos costumes do grupo, da cultura, deve aumentar. Neste ótica, é essencial o nível ou a força da conformidade. A moral torna-se relativista: o indivíduo aceita como valor moral o que é definido e aceito pelo grupo como sendo bom. A educação moral terá por objetivo e desafio transmitir ao indivíduo o que é comum, aceito e valorizado pelo grupo ou cultura.
Há outras compreensões na psicologia, cujos nomes principais são Piaget e Kohlberg, que situam o desenvolvimento moral na capacidade de estabelecer juízos morais. Desenvolvimento, neste contexto, se refere a mudanças na estrutura psíquica, configurando-se estágios evolutivos, em que o indivíduo se torna capaz de juízos morais qualitativamente distintos, e mais eficazes nos estágios mais elevados. Para os autores que entendem a moralidade como conformismo, o indivíduo é entendido de modo passivo. O ator é a sociedade, que cria mecanismos para modificar a compreensão e o comportamento do indivíduo. Para a perspectiva cognitiva, o sujeito é ativo. Desenvolve uma estrutura interna que lhe confere a capacidade de julgar moralmente, muitas vezes em oposição ao que a sociedade entende como sendo bom ou aceitável.
Como se percebe, a psicologia do desenvolvimento moral se ocupa de questões extremamente atuais e complexas. Tem por objetivo oferecer elementos para a reflexão sobre a vida, sobre nossas escolhas, sobre o que é bom e convém, e sobre o que é mau e por isso deve ser evitado. Inquieta-nos perceber o quanto há de mero conformismo, na sociedade e em nossas escolhas. Pode-se afirma que há desenvolvimento moral onde impera o mero conformismo? Por vezes, a capacidade de julgamento sobre o que é bom nem sempre se desenvolve satisfatoriamente. Nem sempre se escolhe tendo por base o que é bom em sim mesmo, o que vale, independentemente do que é agradável. Muitas escolhas não superam o nível mais elementar do que é mais fácil, mais cômodo e prazeroso.