A Psicologia e a Culpa

Psicologia

Quaresma é tempo de conversão. “Arrependei-vos, pois, e convertei-vos, a fim de que sejam apagados os vossos pecados”(At. 3,19). Repetimos inúmeras vezes, especialmente no tempo quaresmal, as palavras arrependimento e conversão. Arrependimento (metanoia) e conversão caminham juntas. São realidades interligadas. Arrependimento, conversão e culpa são emoções. Indicam um movimento interior, provocado pela consciência da infidelidade, da transgressão, do pecado. Não há renúncia ao pecado, nem mudança de vida, se não houver sentimentos que nos impulsionem a modificar o jeito de viver.

Também para a psicologia, estas emoções são de grande importância. Elas são as guardiãs dos valores que constituem e sustentam o nosso estado de vida. A vida cristã acontece a partir de um relacionamento pessoal e comunitário com Jesus Cristo, do qual decorre uma proposta concreta de vida, uma ética. São as emoções, como a culpa, que nos indicam o estado de distanciamento de Jesus Cristo e de seus valores, e nos impulsiona à conversão, ao arrependimento, ao retorno a Jesus Cristo e aos valores por Ele propostos.

Segundo a psicologia, a culpa em si mesma é saudável e necessária. Significa que valores foram internalizados, e que fazem parte da personalidade. Numa perspectiva evolutiva, a culpa é posterior à vergonha, e indica uma forma mais elevada de organização e funcionamento mental. Para que haja a vergonha, é necessário que a pessoa seja descoberta transgredindo as normas e valores morais. No caso da culpa, basta o julgamento da própria consciência. Mesmo que não seja descoberto em seu erro e em seu pecado, quem atingiu o estado evolutivo em que a culpa está presente terá a voz da consciência que o acusará e o impulsionará ao regresso à prática dos valores.

Contudo, a culpa é um sentimento complexo. Como há diferentes tipos de organização mental, há também diferentes tipos de culpa. Há a culpa que impulsiona ao crescimento e à conversão, ao reencontro consigo mesmo, à retomada de uma vida cristã bonita e autêntica. Por outro lado, há a culpa destrutiva, neurótica, que está presente em pessoas psicologicamente imaturas. Por isto, não basta reconhecer-se culpado. É necessária a análise (ou psico-análise) do sentimento de culpa, de modo a distinguir se houve de fato a transgressão dos valores que norteiam a vida cristã, ou se se trata de um estado de funcionamento mental ainda frágil e possivelmente patológico.

Quanto aos tipos de culpa, há a culpa ontológica ou existencial. Neste sentido, todos somos culpados. É a culpa que nasce da tensão real entre a existência concreta e o ideal de vida proposto pelo cristianismo. Como este ideal é inatingível, a culpa se torna um ingrediente, que nos acompanha durante todo o curso de nossa existência. O exame de consciência, feito diariamente, nos confronta com situações diversas, de maior ou menor gravidade, em que permanece a distância entre nossa existência e aquela que somos chamados a atingir. O ponto de referência da culpa ontológica está fora do sujeito. Para o cristão, a referência será Jesus Cristo, que exerce uma força de atração. Este tipo de culpa favorece a resistência ao pecado, e nos impulsiona à ‘metanoia’, à conversão.

A culpa psicológica, contudo, tem uma dinâmica totalmente diversa. É resultante de um estado imaturo ou neurótico de funcionamento mental. Neste caso, comumente existe o sentimento de culpa, mas não existe a culpa propriamente dita. A pessoa se sente culpada sem ter acontecido uma real transgressão dos valores cristãos. Trata-se de um problema de natureza emotiva, que provoca um sofrimento mental por vezes muito agudo, e do qual a pessoa não conseguirá se livrar. A origem desta culpa não está no confronto com Jesus Cristo e a partir do projeto de vida que Ele propõe, mas numa organização mental fragilizada, e que distorce a percepção e o juízo sobre o que é bom e justo.

“Arrependei-vos, porque o reino dos céus está próximo”(Mt 3,2). A conversão, proposta pela Escritura, acontecerá, evidentemente, somente se nos reconhecermos culpados. Esta complexa experiência, como vimos, é simultaneamente espiritual e psicológica. Estão envolvidas as maturidades e imaturidades espiritual e psíquica. A maturidade espiritual é fundamental para a abertura a Jesus Cristo, cuja Palavra nos edifica e nos liberta. A maturidade psicológica nos libertará dos grilhões criados por nós mesmos, e é fundamental para experimentarmos a libertação, dom de Deus.

Padre José Carlos dos Santos

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