Decreto de Reconhecimento de que Dom Viçoso viveu, de modo “heroico”, as virtudes cristãs

Venerável Dom Viçoso

Padre José Carlos dos Santos

Dentre os processos de beatificação e canonização apresentados à Santa Sé pela Arquidiocese de Mariana encontra-se o de D. Antônio Ferreira Viçoso. É o mais antigo, e o que está em fase mais adiantada, uma vez que o Cardeal Ângelo Amato, a 08 de julho de 2014, publicou o decreto, traduzido abaixo, declarando que D. Viçoso viveu as virtudes cristãs de modo heroico. O então “Servo de Deus” passa a ser chamado de “Venerável”.

            Sobre o início deste processo, Dom Oscar de Oliveira assim se expressou:

Conhecendo bem de perto a acendrada piedade e zelo apostólico do Bispo Lazarista, não se contentou D. Silvério com apenas descrever-lhe a vida, mas publicou em 1916 uma Carta Pastoral com que se empenhava em elevar D. Viçoso às honras do altar. Para este efeito constituiu um Tribunal que realizou cinco sessões, de 16 de julho a 22 de fevereiro de 1922. Com o falecimento de D. Silvério, a 30 de agosto de 1922, não se levou avante o empreendimento. (Neto, 1965, p. 9).

Foi D. Oscar de Oliveira quem deu prosseguimento, a partir de 30 de abril de 1964, ao processo iniciado por D. Silvério. Os sucessores de D. Oscar não mediram esforços pela divulgação da vida e virtudes de D. Viçoso, e pelo bom andamento do processo de beatificação e canonização, culminando com o êxito positivo do processo Super Virtutibus no período em que D. Geraldo Lyrio Rocha governava a Igreja marianense. Naquele período, estando em Roma, a serviço da Congregação para o Clero, recebi de Dom Geraldo a incumbência de acompanhar de perto, e dar as possíveis providências, a este processo de beatificação. No clero marianense merece especial menção a dedicação de Mons. Flávio Carneiro Rodrigues, que se empenhou incansavelmente pelo positivo êxito deste empreendimento.

O texto do decreto, além de seu valor canônico e eclesial, resume, de modo belo e profundo, a vida de um dos maiores personagens da história da Igreja no Brasil. Creio que a leitura do texto, que não é longo, fará um grande bem a todos. Peço desculpas por possíveis inexatidões na tradução abaixo, feita do italiano, sobretudo por desconhecimento do vocabulário canônico. O último parágrafo do texto, que está em latim no Decreto, foi traduzido por Pe. Adilson Umbelino Couto, professor nos cursos de filosofia e teologia do Seminário Arquidiocesano de Mariana. Que o venerável Dom Viçoso, invocado sobretudo nas situações de maiores aflições em razão de enfermidade, nos abençoes e proteja. Segue-se a tradução do Decreto.

 

Beatificação e Canonização do Servo de Deus Antonio Ferreira Viçoso,

Congregação da Missão e  Bispo de Mariana (1787-1875)

 

Sobre as Virtudes

“Apascentai o rebanho de Deus que vos foi confiado” (1Pd. 5,2)

 

            A exortação do Príncipe dos Apóstolos encontrou no Servo de Deus Antonio Vicente Ferreira Viçoso um ouvinte atento e disponível: o seu testemunho de vida virtuosa e exemplar, unida à profundidade da sua espiritualidade, se transformaram em uma extraordinária dedicação à missão apostólica. Nas difíceis questões político-religiosas que envolviam a sociedade brasileira da época, Dom Viçoso resplende como um farol de fé e autêntica promoção humana.

            O Servo de Deus nasceu em Peniche (Portugal) a 13 de maio de 1787. Desde criança, além da educação cristã recebida em família, frequentou os Padres Carmelitas em Olhalvo e Santarém. Manifestando-se os sinais de vocação ao sacerdócio, foi acolhido no Seminário diocesano de Santarém e depois, surgindo nele uma forte atração para o mundo missionário, transferiu-se para o Seminário dos Padres da Missão de Rilhafoles (Lisboa). Recebeu a ordenação sacerdotal a 07 de março de 1818. Iniciou a lecionar filosofia no Seminário de Évora, mas, depois de apenas um ano, foi enviado ao Brasil.

            No imenso país sul-americano fundou missões, instituindo a primeira província vicentina, e de 1820 a 1843 trabalhou como educador em diversos colégios e como missionário em várias paróquias do território de Minas Gerais. Em seguida recebeu o encargo de Visitador e de Superior Maior da sua Congregação no Brasil.

            Em 1843 foi nomeado Bispo de Mariana, onde permaneceu até sua morte. Dom Antonio pertencia ao grupo dos bispos “ultramontanos”, ou reformadores, decididos a aplicar as linhas normativas do Concílio de Trento. De fato, reformou o Seminário de Mariana, dedicou-se à reforma do clero, animou a vida religiosa, edificou escolas e asilos, defendeu a autonomia das Igrejas contra as intervenções abusivas do poder civil (o chamado “regime do padroado”) e contra os ataques de matriz liberal e maçônica.

            Desenvolveu sua ação em uma diocese imensa e quase totalmente desprovida de pessoal e de meios materiais. A sua influência, porém, ecoou em todo o Brasil, também graças ao exemplo de vida e aos múltiplos escritos, aos bons êxitos da reforma do seu clero e à organização das estruturas da Igreja local. De modo particular, alguns sacerdotes por ele formados foram sucessivamente apresentados para a nomeação episcopal.

            Do seu epistolário e dos outros escritos, nota-se como o Servo de Deus via com clara consciência os fatores de crise e as carências que afligiam o seu rebanho, seja sob o aspecto social, seja sob o espiritual. Para esta tomada de consciência e consequentes iniciativas contribuíram também as três visitas pastorais que ele realizou durante os anos de ministério. Como Bispo se distinguiu pelo equilíbrio, prudência no governo, afabilidade e humildade para com todos, com particular atenção para com os órfãos, os idosos, as religiosas e os sacerdotes. O imperador do Brasil Dom Pedro II em 1868 lhe conferiu o título de Conde de Conceição. Foi também Conselheiro Imperial da Ordem da Rosa.

            O Servo de Deus foi sobretudo um homem que fez da santidade um programa de vida e o colocou em prática com confiança e perseverança. Foi um pastor totalmente dedicado ao ministério eclesial e à missão ao interno de uma realidade ainda muito pobre. Animado por um zelo entusiasmante e generoso,  converteu seus não comuns dotes humanos e espirituais em um intenso empenho a serviço da evangelização, da catequese, do governo espiritual e pastoral da comunidade: tudo isso atestado, entre outras coisas, pelas suas numerosas cartas aos sacerdotes, religiosos e religiosas, aos fieis, aos políticos, às autoridades da província e do país, especialmente ao Imperador Dom Pedro II, e pelas comunicações ao Núncio Apostólico e ao Santo Padre.

            Dom Viçoso foi atraído pela espiritualidade dos Missionários de São Vicente, particularmente empenhados na reforma dos costumes da sociedade e na promoção dos mais necessitados. O seu perfil espiritual se caracterizou por um profundo espírito de oração, convicta obediência aos superiores e generosa procura pelo amor fraterno. Cresceu sempre mais o seu intenso amor pela Eucaristia, verdadeira fonte de toda a sua incansável operosidade. A vocação ao sacerdócio, convergindo na dimensão missionária, o conduziu para distante de sua pátria, a um território pobre e pleno de desvantagens. Em todas as funções que desempenhou no âmbito do seu ministério, foi sempre sábio, virtuoso, desinteressado, vigilante e generoso e a sua vida interior foi entrelaçada de amabilidade, simplicidade e alegria humilde e serena.

            Extenuado pela fadiga apostólica, faleceu em Mariana a 05 de agosto de 1875. A sua memória se conservou vivíssima no povo.

            Em virtude da fama de santidade, de 16 de julho de 1916  a 03 de agosto de 1922, na Cúria eclesiástica de Mariana (Brasil), foi celebrado o Processo Ordinário Informativo, a que se seguiu a Investigação Diocesana na própria Cúria, de 1o de julho a 10 de dezembro de 1985, cuja validade jurídica foi reconhecida por esta Congregação com os decretos de 10 de outubro de 1986 e de 13 de junho de 1998. A 23 de abril de 2002 se deu a reunião dos Consultores Históricos. Preparada a Positio, se discutiu, segundo o normal procedimento, se o Servo de Deus havia vivido em grau heroico as virtudes. Com êxito positivo, a 05 de março de 2013 ocorreu o Congresso Peculiar dos Consultores Teólogos. Os Padres Cardeais e Bispos na sessão Ordinária de 1o  de julho de 2014, presidida por mim, Cardeal Angelo Amato, reconheceram que o Servo de Deus exerceu em grau heroico as virtudes teologais, cardeais e anexas.

Finalmente tendo sido feito acurado relato sobre estas coisas ao Sumo Pontífice Francisco através do subscrito Cardeal Prefeito, recolhendo e considerando válidos os votos da Congregação da Causa dos Santos, Sua Santidade declarou hoje que são notórias, em grau heroico, as virtudes teologais da fé, esperança e caridade seja em relação a Deus quanto ao próximo, bem como as virtudes cardeais da prudência, justiça, temperança e fortaleza e (outras) àquelas anexas do Servo de Deus ANTONIO FERREIRA VIÇOSO (membro) da Congregação da Missão, Bispo de Mariana, neste caso e para os efeitos de que se trata, o Santo Padre ordenou que este Decreto seja publicado conforme o direito e inserido nas Atas da Congregação da Causa dos Santos

 

Dado em Roma a 08 de julho do ano do Senhor de 2014 

ANGELUS Card. AMATO, S. D. B.

Prefeito

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