Pe. José Carlos dos Santos
À pergunta relativa ao que seja essencial para que uma pessoa se desenvolva de modo saudável, tornando-se um adulto equilibrado, amadurecido, a resposta é simples: será determinante a percepção de ser amado pelos pais. Segundo Karen Horney, o mal fundamental para o desenvolvimento é a falta de um autêntico calor humano, de afeição, chegando a afirmar, a partir de sua longa e frutuosa experiência clínica, que “a criança pode suportar uma gama de adversidades, desde que se sinta desejada e amada”.
Merecem atenção as palavras utilizadas por Karen. A criança precisa sentir-se desejada e amada. Sentir-se objeto de um amor genuíno. Não é suficiente que as crianças sejam amadas pelos pais. É necessário que a criança seja amada, e que se sinta amada. É necessário que os pais amem, e que façam com que os filhos se sintam genuinamente amados por eles. Carl Rogers criou a expressão “aceitação positiva incondicional” que, a meu ver, expressa a mesma ideia. A criança precisa não somente ser aceita pelos pais. Precisa ser aceita do jeito que é, com o perfil que tem, com suas características físicas e psicológicas. Para muitos conhecedores da personalidade, este é o componente fundamental para o processo de desenvolvimento, também na esfera da afetividade.
A experiência clínica atesta que nem sempre as pessoas que foram profundamente amadas, enquanto crianças, naquele momento se sentiram amadas. Recordo o relato de uma jovem que dizia ter sido rejeitada pela mãe por ocasião do nascimento do irmão. Havia intensa hostilidade para com a figura materna, como consequência de ter sido colocada no ostracismo, sendo-lhe repentinamente retirado o afeto e a atenção que lhe eram tão necessários. Durante o processo psicoterapêutico, contudo, ela se deu conta de que os fatos foram outros. O irmão nasceu com saúde muito frágil, o que obrigou a mãe a lhe dedicar atenção especial e quase exclusiva. Naquele momento, em sua infância, contudo, a percepção única e possível foi a rejeição, que comprometeu profundamente o desenvolvimento global e afetivo, de modo irreparável, infelizmente.
Há situações dramáticas em que, de fato, as crianças não são amadas pelos pais. Há pais afetivamente indisponíveis. Frios. Eles mesmos pouco amados enquanto crianças. Há situações de preferência da parte dos pais por este ou aquele filho. Há situações frequentes em que os pais descarregam sobre os filhos acentuada carga emotiva, resultante de frustração existencial, de problemas econômicos e afetivos, da própria imaturidade para a vida e para a paternidade. Há ainda o caso de filhos cujas características e comportamentos desafiam, ao extremo, o equilíbrio emocional dos pais, provocando-lhes comportamentos emocionalmente instáveis. Diferente a situação dos filhos naturalmente ternos, sensíveis e amáveis.
Retornando a Karen Horney, a necessidade de afeição pode se tornar neurótica. É o que chamamos comumente de dependência afetiva. Torna-se vital receber afeto. Neste caso, “não há somente o gosto por ser estimado, mas há a necessidade de ser estimado a qualquer custo”. Para tais pessoas a existência, felicidade e segurança dependem de serem estimadas. Não conseguem ficar sozinhas. A solidão provoca sentimentos que variam de uma simples inquietação e desassossego aos dolorosos e dificilmente suportáveis tédio e vazio, em acentuada intensidade.
A dependência afetiva pode se projetar numa pessoa específica: o amigo, o marido, a mãe. Esta pessoa é eleita como protetora e guia. A vida do dependente, suas decisões e seu bem-estar ficam subordinados ao senhorio do protetor. Tudo é permitido e preferível ao rompimento da relação, incluindo humilhações, exploração, atos de violência. Caso haja o rompimento da relação, o dependente imediatamente se empenhará no estabelecimento de uma nova relação, que terá a mesma natureza da anterior. O que importa não é a pessoa com a qual se estabelece relação. Desde que não esteja só, qualquer companhia é válida. Internamente há a disposição a pagar qualquer preço pelo afeto recebido.
Nos casos de dependência afetiva, a necessidade de afeto é insaciável, conforme afirma Karen Horney. A pessoa é ávida de afeto, que assume natureza compulsiva. Quanto mais recebe afeto, maior se torna o desejo de receber afeto. Caso encontre uma pessoa paciente que lhe dedique horas de atenção, no dia seguinte demandará quantidade ainda maior de tempo, e se sentirá frustrada e agressiva nos casos em que sua insaciável demanda de afeição não for satisfeita.
Um importante componente da insaciabilidade de afeto, segundo Karen Horney, é o ciúme neurótico. O ciúme pode ser normal e saudável nas situações em que a relação amorosa corra risco objetivo de se romper. O ciúme neurótico, diferentemente, nasce do medo constante do rompimento de uma relação que lhe fornece a afeição, vital para a própria sobrevivência. O dependente tende a desenvolver sentimentos de posse, exigindo receber atenção e amor exclusivos. O ciúme, nestes casos, tornar-se fonte de agudas dores para o dependente, e de não poucos sofrimentos para as demais pessoas. Leva a comportamentos irracionais e desequilibrados, com frequência, o que ordinariamente se presencia. E comumente toda esta efervescência psicoafetiva acontece e permanece no nível da inconsciência e deliberação por parte da pessoa que é dependente.
E quais são as estratégias utilizadas para conseguir afeto, para satisfazer semelhante carência afetiva? Para Karen Horney, três são os meios mais utilizados. O primeiro deles é o suborno. O lema neste caso seria “eu te amo fervorosamente; portanto, você deve me amar em retribuição, e desistir de tudo por amor”. Para o neurótico, a necessidade insaciável e compulsiva de afeto que o domina é entendida como amor genuíno e autêntico, que se manifesta em atitudes de compreensão, ajuda e cuidados de diferentes naturezas. Consequentemente, sente-se devedor de atenção e cuidados afetivos exclusivos.
Um segundo meio de conseguir afeto é o apelo à piedade, cujo lema é “você me deve amar porque sofro e estou desamparado”. A estratégia utilizada é a demonstração das diferentes e acentuadas formas de sofrimento de que é vítima. O sofrimento, real ou imaginado, mas continuamente colocado no centro das atenções, serve como justificativa para o direito de fazer exigências excessivas. Salienta-se o fato de ser doente, de ter tido um passado difícil, de ser mais frágil e limitado que os demais, não ter tido oportunidades…
Karen fala, por fim, do apelo à justiça. Lema: “Fiz isto por você; o que você fará por mim?” A estratégia terá como componente principal a enumeração de tudo o que se fez pelo outro, o que faz com que seja justo e obrigatório receber incondicional retribuição afetiva. Há pais que alegam ter abdicado da própria vida pelos filhos, o que lhes dá direito a receberem deles dedicação e cuidados absolutos. Semelhantes atitudes são encontradas, comumente, nos relacionamentos marcados pela dependência afetiva.
Há ainda, segundo a mesma autora, o fato de que a necessidade neurótica de afeto muitas vezes assume a forma de paixão, de desejo sexual. Segundo Karen, a sexualidade pode existir sem sentimentos de afeto e ternura. São os casos em que há apenas o desejo sexual. É possível, contudo, que o desejo de afeto e ternura existam sem a presença de sentimentos e desejos sexuais. Neste aspecto, Karen se posiciona em oposição a Freud, para quem a libido insatisfeita é a responsável pela necessidade neurótica de afeto. Desejo sexual e necessidade de afeto, segundo Karen Horney, são duas categorias distintas de sentimentos, que se influenciam e podem se confundir. A pessoa neuroticamente carente de afeto, como se disse anteriormente, se dispõe a pagar qualquer preço para receber ternura e afeição, não se excluindo o envolvimento sexual.
Tudo o que se disse anteriormente tem o objetivo de auxiliar na compreensão de uma realidade frequente e complexa, a dependência afetiva. O índice de pessoas que experimentam esta realidade não é pequeno. Os efeitos podem causar acentuado sofrimento, e desestabilizar o funcionamento global da personalidade. É sempre possível conquistar o desejado e necessário equilíbrio e bem-estar interior. Mas seria ilusório negar que será necessário grande empenho, motivação, e adequada capacidade de suportar o mal-estar interior durante o percurso terapêutico. É o preço a ser pago pela liberdade de ser e de agir.