Inteligente ou Motivado?

Psicologia

Pe. José Carlos dos Santos[1]

Um importante componente da personalidade humana é a inteligência. Há muito tempo a psicologia criou testes para medir o quanto determinada pessoa tem de inteligência (Q.I.). No passado, estes testes eram aplicados nos estudantes, procurando separar crianças e adolescentes que tirassem notas elevadas (Q.I alto), das outras, consideradas infelizes, que tirassem notas baixas (Q.I inferior à média). Conversando com pais e mães, é comum ouvi-los exaltando a inteligência dos filhos, sobretudo na infância: “olha, estou surpresa com o quanto minha menina é inteligente. Aprende tudo, e muito depressa. Não vai ter dificuldade na vida. Vai ser muito feliz”.

Será que a inteligência é algo assim tão importante, ao ponto de decidir o futuro de uma pessoa? Ter uma pontuação elevada em um teste que mede o Q.I. é garantia de sucesso profissional? E será que ser capaz de aprender com rapidez o que se ensina na escola é suficiente para que a pessoa tenha uma boa capacidade de  relacionamento, seja equilibrada emocionalmente, e seja uma pessoa que coopera para que o mundo seja melhor?

Para não ficar somente em teoria, apresento algumas situações concretas, com o objetivo de ilustrar o conteúdo do que aqui se reflete.

Caso 1. L nasceu numa família humilde, mas de muitos valores. Os pais eram honestos, e para oferecerem melhor condição aos filhos, ambos trabalhavam muitas horas por dia. A vida se dividia entre o trabalho e a educação dos filhos. Nos finais de semana não faltavam à Igreja, como a maioria das famílias da pequena cidade onde moravam. Do nascimento até o ingresso na escola, L sempre foi um menino normal, sem qualquer destaque, em sentido negativo ou positivo. Na medida em que os anos se passavam, contudo, começou a ser notado pela rapidez e facilidade com que aprendia. Em pouco tempo, era o primeiro em todas as matérias: não havia equação que lhe fosse difícil, e muito rapidamente conseguia aprender as mais complicadas regras da gramática portuguesa, incluindo as exceções. Os colegas de sala o invejavam sobretudo porque ele pouco precisava estudar. Participava das aulas, aprendia o que foi ensinado e, por ter uma excelente memória, estava preparado para as avaliações de todas as disciplinas, sempre com excelentes resultados. No entanto, na medida em que a adolescência se aproximava, L foi mostrando outras duas características, tão fortes e visíveis quanto a sua inteligência. Era um adolescente muito preguiçoso, além de extremamente mal-humorado. Ficava o maior tempo possível em seu quarto, na cama. A mãe, que nesta época já estava aposentada, não conseguia a mínima contribuição de L para os afazeres do dia a dia, como jogar o lixo fora, estender a cama, ou manter o guarda-roupas organizado. Pedir para ir à padaria, por exemplo, era comprar briga. Esta desmotivação ou apatia, infelizmente, atingiu também o seu rendimento na escola. Passou a faltar às aulas, e concluiu o ensino médio com dificuldade. Depois de grande insistência dos pais conseguiu matricular-se numa faculdade, mas continuou com sua rotina de estudante desinteressado e preguiçoso, concluindo o curso depois de repetir disciplinas em que foi reprovado por frequência ou por não fazer os trabalhos. Hoje, enquanto adulto, não deixou de ser “inteligente”. Bastam minutos de conversa pra perceber que tem muito conhecimento sobre diferentes assuntos. Mas é um profissional de pouco destaque, uma pessoa de difícil relacionamento, e uma companhia pouco agradável, razão pela qual teve poucas experiências de namoro, e jamais se casou.

Caso 2. H é filho de um casal que sempre viveu na área rural de uma pequena cidade do interior do Brasil. Seus pais nasceram e sempre viveram em ambiente rural. Sabiam escrever os próprios nomes, e liam, com dificuldade, quase que somente coisas ligadas à Igreja, da qual participavam sempre com alegria e entusiasmo. Criaram seus filhos neste ambiente. Ensinaram o suficiente para viver e constituir família, como eles, e até conseguiram uma porção de terra para cada um. H, inesperadamente manifestou, na adolescência, o desejo de ser padre, e ingressou no seminário depois de concluir o ensino médio. No seminário, era um jovem querido pelos colegas, e bem avaliado pelos superiores. Levantava-se cedo, sem dificuldades, para as orações. Muito ajudava nos diferentes trabalhos comunitários, por estar habituado à dura lida do seu ambiente de origem. Os estudos, contudo, eram o seu desafio. As escolas do interior não ofereceram a ele suficiente preparação para estudos mais exigentes, e no seminário a cobrança dos professores era elevada. Com o passar do tempo, passou a apresentar sintomas de ansiedade, sendo por isso encaminhado ao acompanhamento psicológico. Na terapia, entendeu que não havia nada de errado com ele. Tinha desenvolvido uma inteligência de tipo “prático”, capaz de resolver os problemas e situações do cotidiano, mas os estudo teóricos eram um grande desafio, sendo esta a causa da ansiedade. O que fazer? Aprendeu que tinha um recurso que deveria utilizar para resolver este problema, sua motivação e força de vontade. Passou a estudar ao menos duas vezes mais que os colegas. Se necessário, lia o mesmo texto duas ou três vezes, e para isso se levantava antes dos demais. Era comum vê-lo sozinho estudando, enquanto os colegas estavam se divertindo com algum filme, nos finais de semana. Este esforço foi recompensado. Suas notas em nada eram inferiores às notas dos outros seminaristas, além de se tornar exemplo de seriedade e dedicação. Nunca perdeu a humildade e simplicidade, o que fazia com que conquistasse, com facilidade, o carinho e a amizade de todos.

O que se pode dizer, a partir destas duas estórias, que refletem situações com as quais nos deparamos com relativa frequência? Embora não se possa negar que a inteligência ( aqui entendida como Q.I.) seja uma capacidade importante, a vontade ou motivação é fundamental. Sobre isso, recordo um professor que dizia que a preguiça (ou passividade), é um dos piores defeitos, e entre os mais difíceis de serem corrigidos. O que fazer com uma pessoa que não tem vontade, e para quem é suficiente o mínimo? Que não se importa com notas baixas, com ambiente desorganizado, e que não se motiva a sair da preguiça nem mesmo vendo a aflição e o cansaço da própria mãe? O que dizer do cristão que recebeu de Deus muitos dons, mas que não se dispõe ao serviço da comunidade?

Reafirmando que a inteligência é importante, a vontade é fundamental. Se uma pessoa tiver suficiente força de vontade, terá energia suficiente para superar desafios e dificuldades, e não desanimará até atingir os seus objetivos. Segundo importantes estudiosos, um dos maiores problemas do mundo atual está em que muitas pessoas não tiveram suficiente educação do querer (da vontade). Neste caso, mesmo que seja grande o nível ou o desenvolvimento da inteligência, a fraqueza da vontade impedirá a pessoa de progredir na vida, em todos os sentidos.

Um importante estudioso da psicologia, do século passado, chamado Rollo May, disse que encontrou muitos casos de pessoas que apresentavam grande dificuldade de tomar decisão na vida. A idade passava, e tais pessoas não se decidiam quanto à profissão que deveriam seguir, a constituir família e assim por diante. Segundo Rollo May, o que ele percebeu é que a incapacidade de decidir tinha uma causa grave e difícil de ser superada. As pessoas não tomavam nenhuma decisão porque simplesmente não queriam nada. Faltava desejo de ser ou possuir alguma coisa.

O que podemos dizer, ao final desta reflexão? Apresento algumas considerações, que espero possam ter alguma utilidade.

  1. Não está ao alcance de nenhuma pessoa modificar a rapidez com que aprende determinada coisa. A nossa mente tem o seu jeito de funcionar. E precisamos entender, ainda, que cada pessoa tem mais facilidade para certa área, e fará com mais dificuldade uma atividade que outra. Cada pessoa é de um jeito, e temos que nos aceitar como somos. Os pais, por exemplo, precisam entender como são os seus filhos, aceitá-los e ajudar cada um a se entender e a se aceitar como é.
  2. O que está ao nosso alcance, na maioria das situações, é dispor da nossa vontade. Sou quem decide o modo de utilizar o meu tempo, se vou me deitar mais cedo ou mais tarde, se vou me divertir com os amigos ou trabalhar, se vou passar a tarde nas redes sociais ou se vou me dedicar a atividades religiosas e pastorais.
  3. A vontade também precisa ser educada. No início da vida, a tendência da criança é fazer o que é prazeroso, o que é agradável. Se puder escolher, nenhuma criança vai tomar um remédio amargo, ou vai escolher parar de brincar para fazer as tarefas escolares. Educar a vontade significa aprender a fazer o que é bom, a cumprir minhas responsabilidades, mesmo que isto não seja inicialmente o que eu desejo fazer.
  4. A educação da vontade faz com que o que é bom seja também o que a pessoa deseja fazer. Por exemplo, até certa idade, pode ser que a criança se levante cedo porque tem que obedecer aos pais. Por se levantar cedo repetidamente, por ver os benefícios disso, com o passar do tempo a criança se levantará cedo naturalmente, sem que seja necessária a cobrança por parte de outras pessoas.
  5. O ambiente em que vivemos torna mais fácil ou mais difícil a educação de nossa vontade. Se numa família a maioria das pessoas “são preguiçosas” quanto a levantar-se cedo, naturalmente a criança educada neste ambiente irá repetir o comportamento da maioria. É certo que há exceções para quase todas as regras. Um ambiente favorável, contudo, em muito facilita a educação da vontade.
  6. A educação da vontade é essencial para a vida cristã. Jesus disse que quem deseja segui-lo deve renunciar a si mesmo. Jesus veio para servir, e não para ser servido. O mundo ensina que o objetivo da vida é buscar o que é cômodo, o que dá mais lucro e o que é mais agradável, enquanto para Jesus, maior é aquele que serve a todos.

Entendo que são úteis as reflexões que nos levam a olhar para nós mesmos, e nos ajudam a perceber nossos vícios e fragilidades. A educação da vontade é uma das tarefas mais importantes de nossas vidas. Há pessoas que conseguem se manter motivadas e cumprem os propósitos que se colocam, mesmo nas situações difíceis e desafiadoras. Há pessoas, ao contrário, que desanimam diante do primeiro obstáculo e da menor dificuldade. Que tipo de pessoa você é? E Que tipo de pessoa você deseja ser?

 

[1] Pároco da paróquia de Santa Efigênia em Ouro Preto e professor da Faculdade Dom Luciano. Mestre em psicologia pela Universidade Gregoriana, Roma.

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