O que se entende por neurose?

Psicologia

O vocábulo neurose, embora não esteja presente nos textos oficiais de psiquiatria, continua sendo utilizado como instrumento hermenêutico para uma ampla variedade de fenômenos que configuram o comportamento humano. Utiliza-se este vocábulo, ordinariamente, para qualificar pessoas que seriam diferentes dos indivíduos “normais”, em diferentes aspectos. Seriam pessoas com comportamentos, modos de pensar, percepção da realidade, experiência e expressão emocional distintos dos demais indivíduos pertencentes a uma mesma cultura.

Esta compreensão de neurose não está totalmente equivocada. É insuficiente, contudo! Há pessoas cujos sintomas neuróticos permanecem latentes em lugar de serem manifestos. E isto não significa que sejam menos intensos ou nocivos à pessoa, à sua qualidade de vida, às suas interações. Enfatizo também aqui que por neurose se entende um nível de organização estrutural da psique. Há uma estrutura neurótica, outra borderline e outra no nível da psicose. Esta organização da psique humana, é necessário que se diga, nem de longe goza de unanimidade. É uma forma de compreensão, um modo de organizar e compreender a realidade intrapsíquica. Mas há muitas outras. Cada uma delas acentuando aspectos diferentes e por vezes complementares do humano.

Para diferentes pesquisadores, a neurose é caracterizada essencialmente pela ansiedade difusa (Rulla, 1987). A ansiedade invariavelmente faz parte de nossa experiência quase diária. Há situações em que a ansiedade é benéfica, por nos manter em alerta, diante de uma situação  objetivamente desafiante ou perigosa. O aluno que se prepara para exame final ordinariamente se sente ansioso. Certo nível de ansiedade é necessário e benéfico. Instado pela ansiedade, o aluno somente vai relaxar e dormir tranquilamente depois que concluir o estudo da matéria para o exame.

A ansiedade difusa, contudo, é diferente. Ela se afasta quantitativamente dos padrões normais. Torna-se onipresente, e dispensa eventos que normalmente são necessários para desencadear o estado ansioso. É difusa por não se vincular a específicos e justificáveis eventos desencadeadores. Não é difícil, por meio da introspecção, colocar-se em semelhante condição, e empaticamente constatar que as neuroses provocam intenso e pervasivo sofrimento psíquico.

Contra semelhante ansiedade as estratégias defensivas da psique são inadequadas. Esta é outra grave limitação da pessoa neurótica. Se o corpo sente e adoece quando a imunidade está baixa, nosso organismo psíquico fica exposto quando as estratégicas defensivas do ego se mostram ineficazes. Normalmente são eficazes a projeção, a racionalização, a repressão…e suportamos satisfatoriamente os momentos difíceis da vida. A mente do neurótico não pode se valer, a contento, destes recursos, e a ansiedade emerge intensamente em situações muito frequentes. Consequência imediata desta fragilidade no sistema defensivo, repito, é a intensidade do sofrimento psíquico – a pessoa neurótica sofre mais que a pessoa comum, tendo sua qualidade de vida significativamente inferior ao que seria desejado.

Outra consequência é a emergência de sintomas, de tipos muito variados. Não há quem não se depare com fobias, absolutamente inexplicáveis e no entanto insuperáveis. E o que dizer dos quadros de obsessões, assim reconhecidos até mesmo por aqueles que deles padecem, mas que permanecem, no entanto, refratários aos normais esforços voltados para o autocontrole.

Há características que podem ser identificadas em todas as neuroses (Horney, 1964). Uma delas é a rigidez das reações. É ausente a flexibilidade que nos permite reagir diferentemente ante situações diferentes. Este estado de rigidez pode fazer com que uma pessoa permaneça sempre desconfiada, ou com raiva, ou indecisa, enquanto a normal flexibilidade nos permite desconfiar, sentir raiva,   ou estar indeciso quando houver motivo que o justifique. Um atributo da saúde mental é a adequação entre o estado interior e a reação emocional ao evento ou situação.

A segunda característica, que se segue logicamente à anterior, é a discrepância entre as potencialidades de uma pessoa e suas realizações concretas. O neurótico não consegue utilizar todo o seu potencial de forma produtiva. Permanece aquém do que é capaz, em variadas esferas, como a atividade profissional, as relações interpessoais, a vida acadêmica. Pode se tornar uma pessoa infeliz, a despeito de ser possuidor do que é necessário para uma vida aprazível. Deparamo-nos com pessoas possuidoras de potencial invejável, mas que não alcançam êxito em suas realizações.

Uma pergunta pertinente, neste contexto, poderia ser a seguinte (Horney, 1964): quais seriam as atitudes observáveis da personalidade neurótica de nosso tempo?  Sem assumir o propósito de comentar cada uma delas, o que foge ao objetivo deste artigo, seriam as seguintes:

a) Excessiva dependência da aprovação ou afeição dos outros. Esta necessidade se mostra desproporcional ao lugar que a pessoa ocupa na vida do neurótico. O desejo de ser aprovado e estimado se torna imperativo, e passa a ser o motor, inconsciente, das atitudes e decisões;

b) Presença de acentuados sentimentos de inferioridade e inadequação. Pessoas de especial capacidade intelectual se sentem pouco inteligentes, e pessoas admiradas pela beleza se sentem feias;

c) Fragilidade na autoafirmação, em razão da presença de inibições explícitas. Para muitas pessoas, o simples fato de emitir uma opinião, expressar uma discordância ou dizer um não se torna um desafio insuperável;

d) Atitudes relativas à agressividade. A agressividade pode ser descontrolada, com ataques e atitudes hostis descabidas. Pode haver, contudo, o oposto desta atitude, ou seja, a incapacidade de expressar o impulso agressivo, mesmo quando presente e justificado;

e) Há também atitudes observáveis no campo sexual, que pode ser de natureza compulsiva ou inibições no exercício da sexualidade.

Embora a descrição acima possa pintar um quadro assustador, as neuroses, em níveis e tipologia distintos, são condições universais. Não há como não nos reconhecermos numa descrição tão ampla. É necessário deixar claro, ainda, que as neuroses diferem das psicoses, que são as formas mais acentuadas de fragilidade psíquica. Nas psicoses as defesas, a que acenamos anteriormente, falham por completo, fazendo com que o sujeito perca o contato com a realidade e viva de maneira “autística”, solta da realidade e em modos prevalentemente regulados pela fantasia (Rulla, 1987).

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