O acompanhamento personalizado (em alguns lugares denominado entrevista formativa) é aqui entendido como uma modalidade específica de encontro entre o formador e o formando. Nesta atividade formativa a relação interpessoal é o componente principal. O objetivo fundamental é chegar à profundidade da pessoa, em relação à internalização dos valores e à transformação das atitudes, de modo a produzir “comportamentos” em conformidade com a identidade consagrada ou sacerdotal. Desde o início, portanto, formador e formando deverão ter clareza sobre a natureza deste encontro, que tem finalidade pedagógico-formativa. Não se pode incorrer no risco de desvirtuá-lo de sua natureza e função primeira. Não se trata, portanto, de um mero “bate-papo” entre amigos, como não é uma sessão de psicoterapia, ou um momento de estudo de temas ligados à formação.
O acompanhamento personalizado faz parte da essência do processo formativo. A formação falhará gravemente se faltar este instrumento pedagógico, ou se for realizado sem o devido cuidado, zelo, capacitação técnica e experiência. A meta de tais encontros será a formação interior, objetivando mudanças não somente no modo de agir (ortopraxia), mas também de pensar (ortodoxia) e de sentir (ortopatia). Os pensamentos, sentimentos e as atitudes dos formandos e formandas deverão, progressivamente, ir se tornando os pensamentos, sentimentos e as atitudes de Jesus: “Fui morto na cruz com Cristo. Eu vivo, mas já não sou eu que vivo, pois é Cristo que vive em mim” (Gl 2, 19-20). Formador e formando, portanto, serão desafiados a não permanecer num plano superficial, das atitudes externas, mas conjuntamente procurarão descobrir a motivação das atitudes.
Invariavelmente permanecem dúvidas quanto ao que fazer, concretamente, do pontos de vista prático, quanto à técnica a ser aplica e quanto aos conteúdos a serem tratados. Aqui há um significativo espaço para a diversidade e a criatividade, mas há algumas considerações que podem ser úteis, sobretudo para quem inicia a desafiante aventura de se tornar formador ou formadora.
Ao menos uma parte do primeiro encontro formativo deverá ser utilizada pelo formador para estabelecer as bases do acompanhamento pessoal, expondo, em linhas gerais, de que se trata, esclarecendo as dúvidas, e chegando a um acordo sobre questões como local, horário, etc.
Local: O encontro formativo necessita de um lugar em que se possa conversar de modo reservado e tranquilo. O medo de ser ouvido poderá inibir o diálogo. Deve-se providenciar um local aconchegante e confortável. Portanto, é necessário, além de boas poltronas, cuidar para que o ambiente seja agradável, silencioso, tenha boa luminosidade e seja bem arejado.
É necessário definir o tempo de duração dos encontros. Encontros excessivamente longos se tornam cansativos e contraproducentes, enquanto os encontros muito curtos não produzirão o resultado desejado. O tempo médio de duração dos encontros é de aproximadamente 50 minutos. Caso o formador tenha encontros seguidos com diferentes formados, é aconselhável deixar um espaço de alguns minutos entre um encontro e outro, para fazer anotações sobre o encontro que termina, rever anotações sobre o encontro seguinte, e para outras atividades necessárias.
Frequência dos encontros: para que o acompanhamento produza frutos, a periodicidade é fundamental, e isto deve estar muito claro para o formador e para o formando. Em geral, as datas devem ser marcadas no início do semestre, e esta agenda precisa ser respeitada, como um compromisso prioritário para ambos. As ausências do formador passam uma mensagem negativa para o formando, como se os encontros, e o próprio formando, não fossem importantes. Não é conveniente que os encontros sejam muito próximos (semanais), para não se criar uma dinâmica de psicoterapia. E não podem ser muito distantes, de modo a comprometer a continuidade. De modo geral, os encontros acontecem entre 15 e 30 dias.
Registro dos encontros. São um importante recurso para que o acompanhamento possa ser devidamente preparado e periodicamente avaliado. Este registro deverá ter informações sobre o conteúdo do encontro, e sobre outros aspectos que o formador julgar relevantes. Por exemplo, em um encontro o formando estava particularmente ansioso, irritado, evasivo, ou falava mais abertamente. Pode ser que tenha se mostrado particularmente resistente diante de determinado assunto. O formador precisa ter presente que o formando precisa se sentir ouvido. Quando o formando percebe que o formador se esquece daquilo que ele partilhou, certamente se sentirá desmotivado para a continuidade do acompanhamento. O formador, por sua vez, precisa avaliar o acompanhamento, observando se foram considerados os conteúdos desejados, e em nível satisfatório de profundidade.
Confidencialidade: Sendo voltados ao foro interno, tudo o que se trata nestes encontros deve ter a garantia explícita de sigilo, de confidencialidade. Este é um direito do formando, ética e canonicamente definido, e um dever do formador. Há casos, deploráveis, em que esta responsabilidade moral não é respeitada. É aconselhável que o formador fale sobre este assunto, e tranquilize o formando quanto à observância deste princípio.
No primeiro encontro, então, depois da acolhida ao formando, o formador deverá entrar em acordo com ele sobre as questões concretas que são necessárias para o bom andamento do acompanhamento personalizado. Embora toda rigidez deva ser evitada, a organização passará uma mensagem positiva para o formando, de seriedade e de compromisso. Estes itens fazem parte do que poderíamos chamar de aliança de trabalho, a ser estabelecida entre as partes, em que cada um se compromete a dar o melhor de si para o bom êxito desta atividade formativa.
Estabelecidas as questões práticas, permanece a pergunta: e agora, o que fazer durante os encontros, para que o formando tenha a ajuda de que necessita? Como orientar os encontros, do ponto de vista metodológico e de conteúdo? Não há uma resposta única e exaustiva para estas perguntas. Também aqui entra uma boa dose de empatia, de sensibilidade e de carisma, da parte do formador. Mas, novamente, algumas observações podem ser úteis.
Confiança entre formador e formando. A tarefa do formador, na fase inicial dos encontros, é o estabelecimento de um clima de confiança mútua. É imprescindível que o formador saiba conquistar a confiança do formando, de modo que ele se sinta encorajado a falar inclusive sobre questões muito pessoais e, por vezes, constrangedoras e dolorosas. O formando precisa perceber que o formador sabe ouvir, e é capaz de compreendê-lo. A capacidade de confiar é muito diferente de uma pessoa para outra. Algumas pessoas, em razão de seu processo de desenvolvimento, terão mais dificuldade para confiar no formador e, consequentemente, para tratar de questões pessoais e reservadas.
Facilitar e encorajar a comunicação. Esta será, durante todo o processo de acompanhamento personalizado, uma preocupação constante do formador. Um grave risco a ser evitado pelo formador é o de falar no lugar do formando. Há situações, equivocadas, em que o formador fala o tempo todo, e o formando ouve. Ideal é que o formando adquira a liberdade de falar livremente e com abertura sobre si mesmo, sem reservas. O formador estará ouvindo, direcionando o diálogo, aprofundando o conhecimento sobre o formando, e formulando as intervenções que serão úteis para que o formando amplie a sua auto-observação e o autoconhecimento, e cresça na direção dos objetivos propostos.
Acompanhamento da pessoa, integral. Como se disse anteriormente, por acompanhamento ou entrevista formativa entendemos um método de encontro interpessoal. É necessário, portanto, que o formando se coloque por inteiro neste encontro. O crescimento acontecerá na medida que se consiga atingir não somente o componente cognitivo do formando, mas também o afetivo e o interpessoal. Muitas vezes a consideração de questões importantes não consegue superar o nível do discurso cognitivo, a esfera do pensamento, e por isto não chega ao coração, ao nível emotivo, em que as questões centrais estão localizadas e enraizadas. Por exemplo, é relativamente fácil fazer um discurso teórico sobre a oração, mostrar que se sabe o que é rezar, mas sem revelar muito de significativo sobre a própria experiência de oração.
Perguntas e respostas. A técnica socrática, de suscitar dúvidas, romper as falsas certezas, e provocar a reflexão, continua sendo útil e deve ser convenientemente explorada pelo formador. Uma pergunta bem formulada poderá ajudar o formando a repensar questões que não foram corretamente compreendidas, e a retomar a dinâmica da abertura e do crescimento. Nos casos em que as convicções estão formadas, nem sempre os conselhos ajudam. Poderão provocar discussão, mais que reflexão ou retomada do curso de desenvolvimento. As perguntas abertas (o que você sentiu naquele momento?) são mais eficazes que as perguntas “fechadas” (você estava com raiva?), porque evitam induzir a resposta, e dificultam respostas apenas monossilábicas. O encontro formativo não pode se tornar algo do tipo “o formador pergunta e o formando responde laconicamente e se cala”. O formando deverá desenvolver a liberdade de falar livremente sobre as questões que estão em seu interior. O formador, contudo, precisa esmerar-se na habilidade de elaborar perguntas, e apresentá-las em momentos oportunos.
O desafio das resistências. Um fenômeno paradoxal e frequentemente presente nos diversos tipos de acompanhamento individual são as resistências. Há a tendência natural e inconsciente de se defender de tudo o que ameaça e é causa de ansiedade. As resistências podem se manifestar de formas diversas: falar sobre assuntos pouco relevantes e evitar os conteúdos tidos como “ameaçadores”; inverter os papéis, e fazer com que o formador fale em seu lugar; atrasos e ausências dos encontros; a intelectualização, ou seja, apresenta-se uma “teoria” abstrata sobre o assunto em questão, sem descer à própria realidade; “falta de assunto” e silêncios prolongados; fuga das dificuldades, dos problemas (está tudo bem, não tenho nenhuma dificuldade….) etc. As resistências são sempre percebidas. O formador percebe que o acompanhamento está progredindo com uma pessoa, enquanto permanece relativamente paralisado com outra. Em situações semelhantes, é necessário identificar a resistência, e procurar uma forma de vencê-la. Há casos em que se deve apresentar a situação de modo claro ao formando, tornando a resistência consciente.
A Dimensão dos valores Autotranscendentes. O acompanhamento individual no processo formativo se distingue da terapia sobretudo pelo tipo de enfoque. O formador terá por objetivo ajudar o formando no processo de internalização dos valores que configuram especificamente a vida sacerdotal ou consagrada: a identificação e o seguimento de Jesus Cristo, Bom Pastor; a vida de oração; a prática dos conselhos evangelhos, etc. Em primeiro lugar, o formador deverá identificar, em cada formando, qual é o seu nível de consciência de tais valores. Até que ponto o formando desenvolveu uma compreensão correta dos valores que configuram o Sacerdócio Ministerial? Em seguida, é necessário observar a relação entre valores proclamados e valores vividos. Há o esforço para viver os valores? A pratica dos valores é satisfatória, ou está distante do que se espera, em cada etapa formativa? Nos casos em que houver uma grande distancia entre proclamação e vivencia dos valores, o formador terá a tarefa de descobrir o que poderá estar dificultando (ou bloqueando) a internalização e a vivência dos valores.
Além dos sintomas. Muitas vezes, a intervenção pedagógica é meramente sintomática, voltando-se exclusivamente à correção comportamental, sem atingir o tipo de dinâmica subjacente. Entre os muitos exemplos possíveis, imaginemos a situação de um jovem que tem consciência da dimensão de serviço do Sacerdócio Ministerial, mas que concretamente assume atitudes exibicionistas, mais ou menos sofisticadas, dos próprios méritos, qualidades e êxitos, ou se coloca em situação de competitividade com os colegas, para ver quem é o maior. A pedagogia sintomática se preocupará com a correção comportamental (também necessária), mas sem dar atenção à dinâmica de imaturidade psíquica subjacente, que sustenta semelhantes atitudes. Neste caso, deve-se perguntar: qual é a realidade à qual estes sintomas (exibicionismo, competitividade) se referem? Como se sabe, a busca de Deus numa vocação específica cobre, frequentemente, motivações, forças e intenções de naturezas muito distintas. O jovem que deseja se doar também quer e busca promover-se, ser acolhido e cuidado, de modo a construir um sentido de identidade ou fazendo-se sentir parte de uma realidade maior, de um todo, para fugir do enfrentamento de um mundo hostil e para proteger-se de perigos e temores de diferentes tipos. O diálogo pedagógico, corretamente concebido, terá sua centralidade na hermenêutica dos sintomas, objetivando chegar às perguntas e anseios originários.
Consciente ou inconsciente? A existência de componentes motivacionais inconscientes deixou de ser uma hipótese. Por mais que seja desafiante e paradoxal, é uma realidade, com a qual se deparam todos os que se dedicam ao acompanhamento individual. A psicologia moderna nos ensina que componentes motivacionais de primeira importância, centrais, muitas vezes evidentes para os observadores externos podem escapar ao campo de consciência do próprio sujeito. Conteúdos inconscientes fazem parte do funcionamento mental de todas as pessoas, e não somente daquelas que são portadoras de patologias graves, o que torna a vida humana, e o acompanhamento formativo, ainda mais desafiadores. Também sob este aspecto, ninguém se possui plenamente. A psicologia do profundo insiste em que as grandes lutas da vida acontecem, se não sempre, ao menos com frequência, nestas regiões menos reconhecíveis e menos presentes à consciência, de maneira que o conteúdo da luta escapa ao próprio sujeito e a luta se perpetua, ao longo da vida e das idades, sem resolver-se. Uma tarefa do acompanhamento, então, é facilitar a ampliação do polo da consciência, por parte do sujeito, de seus componentes motivacionais centrais e, muitas vezes, inconscientes. Em outras palavras, será ampliar o polo da consciência.
Luta psicológica, e luta religiosa. A caminhada para o crescimento encerra, inegavelmente, uma componente de luta, de drama. A expressão luta religiosa tem o objetivo de expressar a relação que o ator humano, enquanto pessoa livre, estabelece com Deus. Há o chamado divino, e a resposta humana. Mas há também as resistências conscientemente estabelecidas, com a construção de projetos e a fixação em planos subjetivos. A luta psicológica, por sua vez, acontece por meio da confrontação entre componentes da própria pessoa, de um ideal que a pessoa se colocou (ou recebeu) e a sua realidade concreta, atual, representada pelas suas necessidades e desejos, também de natureza subconsciente. Estas duas lutas precisam ser consideradas, e receber a conveniente intervenção. Não é difícil perceber que elas não se desenvolvem isoladamente, mas interagem, e se fortalecem ou se fragilizam mutuamente.
Transferência e contratransferência. A transferência, segundo a psicanálise, se instaura espontaneamente em todas as relações humanas, e consiste no deslocamento de esquemas de sentimentos, pensamentos e de comportamentos originariamente nascidos em relação a figuras significativas da infância, sobre uma pessoa envolvida em uma relação interpessoal atual. O processo é majoritariamente inconsciente. A pessoa, então, não percebe a origem das atitudes, fantasias e sentimentos da transferência (amor, ansiedade, agressividade). A contratransferência encerra uma dinâmica semelhante, mas como reação aos sentimentos transferidos. Ambas as dinâmicas se fazem presentes na relação formativa, e necessitam da devida atenção. O formador será investido de sentimentos originários da relação do formando com as figuras paterna e materna, e cristalizados no inconsciente. Temos aqui, por exemplo, uma possível explicação para as muitas situações de dificuldade de relacionamento com figuras de autoridade (reitor, bispo), situação que frequentemente muito desafia os formadores. A hermenêutica da dinâmica da transferência certamente trará grandes benefícios para o formando.
Como se percebe, há uma multiplicidade de fatores que concorrem para o êxito da entrevista ou acompanhamento formativo personalizado. Este tipo específico de relação interpessoal deverá ser objeto de especial cuidado e atenção por parte do formador, sendo um instrumento formativo de primeira importância, como se disse anteriormente. A sensibilidade do formador, a sua dedicação ao aprimoramento técnico e pedagógico, mas também a experiência e, evidentemente, a ação da graça de Deus, são fundamentais para que esta desafiante atividade tenha resultados positivos. Um bom recurso formativo para os formadores, quanto a esta atividade, são os momentos de encontro e de confronto entre formadores – os “estudos de casos” – e sempre que possível com o auxílio de especialistas em diferentes áreas.