Questões relativas à sexualidade humana

Artigos e Notícias e Psicologia

Pe. José Carlos dos Santos

A sexualidade é um dos componentes da psique humana, dentre tantos. Faz parte de nossa natureza. Nascemos sexuados, pelo simples fato de que a sexualidade está intrinsecamente ligada à nossa organização mental. Há quem pense, ainda hoje, erroneamente, que a sexualidade “entra” em nosso ser na adolescência, por consequência da significativa mudança que acontece na psique nesta etapa. A sexualidade, então, está presente em cada pessoa, desde o nascimento. Não há dúvida de que existe a sexualidade infantil, que evidentemente é muito diferente da sexualidade do adolescente e do adulto.  

O ambiente em que a criança se desenvolve é marcado por específicas percepções sobre a sexualidade. Há pessoas que afirmam que viveram o período da infância em ambientes em que estiveram presentes concepções imaturas ou distorcidas da sexualidade. Há quem sofra as consequências de ter crescido em ambientes excessivamente erotizados, cuja compreensão de sexualidade não supera o nível psicofisiológico, do prazer que pode proporcionar, em nível de genitalidade. Em tais ambientes a vivência da sexualidade não favorece o processo de maturação humana e realização pessoal.  As crianças que se desenvolvem em ambientes erotizados normalmente são vítimas de estimulação sexual precoce, o que traz múltiplas e negativas consequências. Nestes ambientes, alto é o percentual de crianças vítimas de diferentes formas de abuso e violência sexual. As marcas negativas de tais experiências perduram, e precisam ser objeto de cuidado psicoespiritual. Por outro lado, há ambientes em que a sexualidade é reprimida. Tudo que diz respeito ao corpo, aos desejos e pensamentos sexuais é entendido como proibido, como ruim e pecaminoso, tornando-se questões que não podem ser vividas e nem abordadas. Reprimir não significa nem resolver e nem educar.

A sexualidade precisa ser compreendida a partir de uma compreensão global da pessoa e da personalidade. Erich Fromm, no livro “A arte de amar”, afirma que o desenvolvimento da razão fez com que o homem emergisse da adaptação instintiva com a natureza, própria dos demais animais. A razão, ao mesmo tempo que faz do homem um ser livre, consciente de si, o torna igualmente consciente de sua pequenez, impotência, finitude e isolamento. A transcendência sobre a natureza, conseguida graças à razão, tira do homem a harmonia própria dos demais animais. A consequência principal, segundo Fromm, é o isolamento, a experiência da separação. O homem, então, se sente só e isolado, o que traz como consequência a ansiedade. Portanto, segundo o mesmo autor, “a mais profunda necessidade do homem é a necessidade de superar sua separação, de deixar a prisão em que está só”.

Ao longo do processo de desenvolvimento, diferentes formas de superação do isolamento são experimentadas, e estão relacionadas com o grau de maturidade e individualidade, em cada etapa evolutiva. Durante a infância, por exemplo, há o estabelecimento de uma união profunda com a figura materna. Segundo alguns autores, a criança, até certa idade, se percebe como um ser “fundido” com a pessoa que exerce a maternagem. Embora aconteça o processo de separação da criança desta união fusional, durante toda a infância a criança encontra a sua estabilidade a partir do relacionamento com os pais. Há autores que usam a expressão satelização. O equilíbrio emocional da criança advém da gravitação em torno dos pais, astros que se tornam objetos de admiração e fonte insubstituível da energia necessária para o processo de maturação psicossexual.

E na idade adulta? Sendo o isolamento, a consciência da separação, um atributo do humano, quais tipos de união são buscadas nas fases posteriores à infância? Para Erich Fromm, a vida humana é marcada por um conflito, consequência da razão e da liberdade. A liberdade é desejada, mas provoca isolamento e solidão. O isolamento provoca sofrimento e ansiedade. Este conflito, de solução nada fácil, ajuda a compreender as situações em que pessoas e grupos se submetem a formas de vida marcadas pela submissão a pessoas ou a grupos. Há casos em que o sofrimento provocado pela solidão e isolamento é tão intenso que a pessoa prefere abdicar da liberdade, da autonomia e da própria identidade. São as situações frequentes de pessoas que se submetem a relações interpessoais marcadas por violência e humilhação, ou aderem a grupos que lhes exigem atitudes conformistas e desumanas.

Na idade adulta, como consequência de tudo o que se viveu na infância, podem se estabelecer tipos diferentes de união, as uniões de tipo simbiótico e as uniões amadurecidas. Por união simbiótica entendemos aqueles em que uma das partes assume atitude dependente, passiva, de submissão. A parte passiva da união renuncia à própria identidade, tornando-se instrumento para outra pessoa. Renuncia por medo, e como estratégia para fugir da solidão, que é entendida como o mal maior a ser evitado. A relação de tipo simbiótico é natural até o segundo ou terceiro ano de vida, mas se torna extremamente imatura quando permanece como a forma primordial de estabelecer relação interpessoal na idade adulta. 

As uniões maduras e saudáveis têm uma dinâmica muito diferente. A relação interpessoal acontece, nestes casos, sob condição de preservar a integridade e a individualidade. Segundo Fromm, nestes casos, há o seguinte paradoxo: “dois seres são um e, contudo, permanecem dois”. A este tipo de relação Fromm dá o nome de amor. No amor a pessoa continua livre, preserva e amadurece a própria personalidade, e ao mesmo tempo supera a solidão e o isolamento. Nesta concepção, contudo, o amor não é uma sensação agradável, que se experimenta por sorte ou acaso, mas um modo de viver, uma capacidade, que somente se atinge como resultado de grande empenho e esforço. Em síntese, o amor é uma arte, e como toda arte, requer um prolongado processo de aprendizagem.

O que se disse anteriormente oferece elementos para se perceber a relação que existe entre afetividade e sexualidade. A relação e o desejo sexual não estão desvinculados desta realidade interna, afetiva, anteriormente descrita, que remonta e é resultado de uma organização mental que nos remete às etapas iniciais da vida. É possível afirmar, então, que o relacionamento sexual serve a muitas funções, podendo ser usado para “expressar todo tipo de conflito, necessidade e interesse”. Em outras palavras, “pode-se envolver num relacionamento sexual por razões não sexuais”. M.A. Friederich, da Universidade de Rochester, no artigo “Motivations for Coitus”, apresenta algumas das razões pelas quais se envolve em um relacionamento sexual, que serão sintetizadas a seguir.

Sexo para aliviar ansiedade e tensão.  É considerada uma das funções mais amplas e comuns. Busca-se alívio para o estresse e a tensão, uma vez que o orgasmo pode levar ao relaxamento corpóreo. É tido como remédio para as perturbações emocionais. Segundo a autora o sexo, nestes casos, é equivalente a fazer uso de álcool ou drogas, provocando efêmera sensação de bem-estar. É uma motivação extremamente egocêntrica, objetivando-se o próprio interesse e bem-estar.

Sexo para engravidar, gerar filho. São as situações em que a maternidade ou paternidade tem por motivo a satisfação das necessidades neuróticas dos pais. Há mães e pais que querem ter filhos para se sentirem amados e valorizados. Há aqueles que desejam ter alguém que possa cuidar deles na velhice e em situações de vulnerabilidade. Há pais afetivamente dependente dos filhos…

Sexo como atividade de conhecimento de si. O adolescente aprende sobre o próprio corpo sendo tocado por outra pessoa (e se tocando). A relação sexual pode ter por motivação o conhecimento da própria masculinidade ou feminilidade. A etapa da adolescência, por isto, requer acompanhamento e educação, sobretudo quanto ao nível saudável de estimulação e experiência sexual.

Sexo como prova do valor pessoal. O sentimento de inadequação e isolamento podem conduzir à promiscuidade sexual. O envolvimento em múltiplas relações sexuais pode ter como motivação a afirmação do valor pessoal. Por conseguinte, a pessoa que se relaciona com muitas pessoas normalmente tem escassa consciência do valor pessoal.

Sexo como defesa contra sentimentos homossexuais. A autora afirma que há pessoas que se envolvem em relacionamentos heterossexuais como defesa contra fortes impulsos homossexuais. Há inclusive pessoas que se casam como tentativa de demonstrar, para si e para terceiros, que podem ser heterossexuais.

Sexo como fuga da solidão e da dor. Pessoas em situação de sofrimento e solidão, na procura por afeto, podem terminar por relacionar-se sexualmente.

Sexo como demonstração de poder sobre outra pessoa. Um componente motivacional para o sexo pode ser a demonstração do próprio poder, em pessoas com sentimentos de inadequação. São frequentes os casos de pessoas que se vangloriam de suas conquistas e aventuras. Na base desta atitude está a necessidade de provar que são atraentes, que têm capacidade de seduzir. No adulto de meia-idade, a promiscuidade frequentemente é uma tentativa de lidar com a diminuição da atração física.

Sexo como expressão de raiva e desejo de destruição. A agressividade, que é um dos componentes do relacionamento sexual, pode se tornar o componente motivacional mais representativo. Nestes casos, o sexo pode ser utilizado como instrumento ou arma para expressão da raiva. Uma situação em que isto acontece é a busca de relacionamento fora do casamento por vingança; ou de uma pessoa jovem para expressar raiva para com os pais. Há os casos em que a mulher se recusa a manter relacionamento sexual para punir o marido.

Sexo como meio de obter amor infantil. Por fim, Mary Ana considera a situação de pessoas jovens que se sentem atraídas por pessoas mais velhas, vendo no outro mais um pai/mãe do que um cônjuge. Tais pessoas tendem a ser dependentes, inseguras e infantis em outras áreas, procurando alguém para guiá-las.

Como se percebe, a partir da reflexão desenvolvida por M. A. Friederich, também quanto ao envolvimento sexual, a motivação é muito variada e complexa. Busca-se o relacionamento sexual não somente para procriação ou obtenção de prazer. A motivação humana não é pura ou simples, mas mista e complexa. A sexualidade, como se disse, anteriormente, é uma componente da personalidade, e terá o grau de maturidade e de imaturidade que tem o indivíduo, de modo global.

Considerações:

1 – É inegável que a energia ou desejo sexual tem uma intensidade que precisa ser considerada, conhecida, e educada. São frequentes os casos em que a busca do prazer sexual se torna o objetivo principal da vida, tornando-se o componente motivacional subjacente a todas as ações. Em outras palavras, é possível configurar-se uma organização mental em que a satisfação do desejo sexual se torne a finalidade da vida, desconhecendo ou subordinando a este propósito as demais formas de prazer e os valores e princípios éticos que devem fundamentar a vida humana.

2 – Kaplan e Sadock, na respeitada obra “Synopsis of Psychiatry”(1998, p. 676), contestam a afirmação freudiana, segundo a qual “todo impulso ou atividade prazerosa são originalmente sexuais”. Para os citados autores, tanto pessoas leigas quanto psiquiatras, em razão das referidas afirmações, vêm construindo uma visão distorcida e confusa do sistema motivacional humano. Esta concepção freudiana do funcionamento mental foi amplamente contestada, por estudiosos de grande relevância. A título de exemplo: Para Alfred Adler o que move o ser humano é a busca pelo poder; para Viktor Frankl, somos movidos pela busca de um sentido para viver; Maslow acentua a ação de múltiplos fatores, que recebem o nome de necessidades; para o cristianismo, embora haja o reconhecimento da ambiguidade humana, há a capacidade de se construir uma existência motivada pelo amor. Reconhece-se, contudo, a riqueza e atualidade de muitos princípios conceituais que compõem o sistema psicanalítico freudiano.

3 – A infância é etapa de grande relevância para a maturação da pessoa, incluindo a maturação afetivo-sexual. Sendo um período prolongado, e em que a pessoa é ainda frágil, é grande a possibilidade de experiências conflitivas e traumáticas interromperem o processo de desenvolvimento psicossexual. É necessário reconhecer a existência da sexualidade infantil, que deve ser objeto de acurada atenção educativa. Na idade adulta, o cuidado com a saúde mental irá exigir o retorno às experiencias infantis, também no que se refere às experiências sexuais que ocorreram nesta etapa da vida.

4 – Dificuldades acentuadas na área da sexualidade, na maioria das vezes, são expressão de fragilidade da personalidade como um todo. A maturação da pessoa, de modo global, irá possibilitar a vivência saudável da sexualidade, a partir dos objetivos e valores que a pessoa se propuser. Nos casos de imaturidade psíquica, os diferentes componentes da personalidade irão se fragilizar, sendo também fragilizada a capacidade de maturação afetivo-sexual.

5 – Conflitos não especificamente sexuais podem desencadear alteração no modo ordinário de vivência da sexualidade. Intensas alterações emocionais, situações de acentuado sofrimento psíquico, frustrações de diferentes naturezas podem ser a causa de desequilíbrio afetivo-sexual, até mesmo em pessoas que tenham atingido satisfatória maturação e equilíbrio. Uma possível explicação pode ser a utilização de um mecanismo de defesa denominado acting out. Nestas situações, o componente emocional, intenso e que escapa à capacidade de controle, se transforma imediatamente em ação, sem se submeter ao crivo da razão, do discernimento sobre o que é bom e conveniente. A pessoa se envolve em comportamentos que aliviam momentaneamente a tensão, a partir da descarga emocional. A relacionamento sexual se serve muito bem a este propósito, provocando um alívio imediato, embora momentâneo, do componente emocional.

6 – Para muitas pessoas, a dificuldade para se atingir o equilíbrio afetivo-sexual é explicada pela força do hábito. Alguém que tenha vivido uma sexualidade de modo desequilibrado durante anos terá grandes dificuldades para retomar o equilíbrio. Os atos repetidos entram no nível do automatismo, em razão do modo de funcionamento do cérebro humano. Os maus hábitos, na tradição do cristianismo, receberam o nome de vícios, enquanto os bons hábitos são chamados de virtudes. Desconstruir maus hábitos é possível, mas exige não pouco empenho e determinação.

7 – A vivência do celibato é possível, assim como é possível a manutenção da fidelidade ao cônjuge, para as pessoas casadas. Os dois estados de vida nem sempre são entendidos e valorizados, num contexto social marcado por acentuado hedonismo, como o atual. Creio que requisitos fundamentais são a suficiente maturidade global, aliada a um estilo de vida que favoreça a vivência da sexualidade em harmonia com o estado de vida pelo qual se optou. A título de exemplo, uma pessoa celibatária que tenha por hábito assistir a filmes pornográficos estará fragilizando a própria capacidade de vivência harmoniosa do celibato.

FacebookWhatsAppTwitter